sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Meditação de Aljubarrota

Uma das visões mais fecundas e promissoras de António Sardinha foi sem dúvida a da Aliança Peninsular.

Para se poder realizar tal Aliança, colocava no entanto António Sardinha como condição imprescindível a existência de dois Estados fortes na Península. Não apenas de um, mas de dois Estados fortalecidos pela Monarquia.

Com a Monarquia, o Estado português não apenas ficaria mais fortalecido perante o perigo de uma absorção espanhola, como lhe daria acrescida capacidade para se projectar no Atlântico; com a Monarquia em Espanha, o Estado espanhol manter-se-ia unido e em condições de se projectar também no Atlântico (como aliás se tem verificado desde a Restauração da Monarquia).

Porquê é que são indispensáveis duas Monarquias para que os Estados peninsulares se possam projectar de forma profícua e duradoura no Atlântico? Porque só através das Instituições Reais de Portugal e de Espanha, instituições nacionais por excelência, ao abrigo das disputas político-partidárias, é possível irmanar num projecto comum os povos de língua portuguesa e espanhola.

Cumpre-nos restaurar quanto antes a Instituição Real na Chefia do Estado. Enquanto a União Europeia faz hoje a dificil digestão do lauto repasto do Leste, é chegada a hora de portugueses e espanhóis se lançarem numa nova empresa espiritual capaz de dar lugar a uma nova idade do Mundo.

Vem aqui à tona o fecundo paralelismo do período áureo vivido pelas duas monarquias peninsulares na primeira metade do século XVI. A existência de duas monarquias volta a ser hoje uma condição imprescindível à projecção atlântica dos dois Estados peninsulares.

Como introdução ao tema, o espaço Unica Semper Avis, acaba de editar um texto de António Sardinha, escrito em 1920, intitulado "Meditação de Aljubarrota".

Eis os excertos em destaque:


"De dois acontecimentos deriva a civilização moderna em todo o seu alto significado construtivo: do Cristianismo e das Descobertas. Os Descobrimentos deslocaram o eixo da cultura humana dum mar interior - o Mediterrâneo - para a bacia imensa do Atlântico. Esse esforço sem igual, que fez filhas de Portugal as idades vindouras do Mundo, não seria possível sem Aljubarrota.

"E porquê? Porque, unido Portugal com Castela, ou Castela seguia o pendor da vertente Atlântica e abalava connosco ao domínio do Mar, deixando pelas espaldas o Aragão, a política do Mediterrâneo e com ela o pesadelo do Turco e do Luteranismo, ameaçando dentro de século e meio a ordem cristã na Europa - e a epopeia ultramarina da Península resultaria incompleta, deficiente e mesmo estéril; ou então, cedendo ao impulso da vertente mediterrânica, o atalaiado reino da meseta volver-se-ia unicamente para os problemas do continente, incapacitando Portugal, anexado e amordaçado, de chegar até onde chegou a dilatação da Fé e do Império.

(...)

"A hegemonia de Castela na Península, como Estado interior, duraria enquanto durasse a Reconquista. Para lhe resistir à tendência absorvente, o Aragão procuraria na Itália e no domínio do Mediterrâneo tanto ocidental como oriental, o seu eixo de apoio.

"Outro tanto sucederia ao nosso país, evitando a consolidação do bloco castelhano (...)

"...passada a Reconquista, Castela, como uma grande nau balanceando, teria que escolher um dos dois caminhos marítimos: o do Mediterrâneo, ou o do Atlântico, para que não se sufocasse na sua clausura.

(...)

"...é preciso amar a Castela, porque Castela é, como Portugal, o pelicano sangrando!

"Se nós tivessemos triunfado em Toro, isso equivaleria a perdermos Aljubarrota.

"Deus reservava-nos a cruzada do Mar, como reservava para Castela a cruzada da Terra.

(...)

"É desde então que o Tosão-de-Oiro circunda o escudo da Espanha unificada. E o que é o Tosão-de-Oiro senão o enlace simbólico da Casa de Borgonha com a dinastia que se fundou em Aljubarrota e que cavou para sempre, como individualidades políticas autónomas, a separação de Portugal e de Castela?!"


http://www.lusitana.org/il_as_1920_medita_aljubarrota

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