CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
No tempo em que era primeiro ministro, Cavaco Silva acabou com a agricultura e as pescas em troca de ficar sentado em cima de uma pipa de massa vinda daquele clube que deu origem à União Europeia. Muitos lavradores e pescadores foram pagos para não exercerem a sua arte. Foram queimados barcos e as terras ficaram ao abandono,um pouco por toda a parte. O mato cresceu desarvorado entre pinheiros. A desertificação do interior do país aconteceu. Foi o tempo em que os portugueses que não emigraram começaram a consumir frutas e vegetais vindos de Espanha e outros países da Europa, enquanto iam mirando autoestradas por todo o território, asfalto a dar com um pau e paquidermes arquitectónicos que o tempo viria a transformar em armazéns de cultura. Ou nem por isso.
Agora, catapultado a venerando no Palácio de Belém, Cavaco Silva desdobra-se em apelos ao regresso à agricultura, à floresta e às pescas, sublinhando de modo dramático a urgência do repovoamento das muitas aldeias abandonadas. Não evocou as suas posições passadas por amor à coerência: é que veio ao mundo com o glorioso destino de nunca ter dúvidas e nunca se enganar. Assim o declarou urbi et orbi e o povo, sereno, compreende.
No tempo em que era primeiro ministro, Cavaco Silva acabou com o escudo e entronizou o euro por entre hossanas e aleluias à União Europeia. Sem reticências, preocupações ou dúvidas. E sem perguntar aos portugueses se queriam a nova moeda. Agora, sempre coerente, corajoso e oportuno, critica a União Europeia e louva as moedas nacionais que se podiam desvalorizar em função de interesses de mercado internacional.
Passos Coelho e os seus amigos deitaram abaixo o governo anterior e gritaram por socorro à troika porque, afirmaram, Portugal estava de cofres vazios, à beira da bancarrota. Os portuguses decidiram acreditar. O governo aceitou a imposição de vender os anéis para que salvemos os dedos. A primeira venda foi o BPN, aquele banco que nos tem custado os olhos da cara, defraudado por um gang democrata e social, que parece herdar a mesma impunidade dum outro, o da Caixa Económica Faialense, que no tempo de Cavaco Silva desgraçou milhares de emigrantes em França e no Canadá. Os portugueses acharam boa ideia vender o trambolho pelo melhor preço. Apareceram dois grupos interessados que pagavam mais de cem milhões de euros e garantiam os postos de trabalho. O governo vendeu por 40 milhões, aceitando que seriam despedidos mais de 700 trabalhadores e assumumindo os custos desses despedimentos, a um banco angolano de que é representante em Portugal um social e democrata com grande traquejo de governo em tempos idos de farta estrada e abundante betão.
Não percebo nada disto. E a culpa é só minha, sou eu que sou burra.
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