terça-feira, agosto 02, 2011

Burra me confesso


CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão

            No tempo em que era primeiro ministro,  Cavaco Silva acabou com a agricultura e as pescas em troca de ficar sentado em cima de uma pipa de massa vinda daquele clube que deu origem à  União Europeia. Muitos lavradores e pescadores foram pagos  para não exercerem  a sua arte. Foram queimados barcos e as terras ficaram  ao abandono,um pouco  por toda a parte.  O  mato cresceu desarvorado entre pinheiros.  A desertificação  do interior do país aconteceu. Foi o  tempo em que os portugueses que não emigraram começaram a consumir frutas e vegetais vindos de Espanha e outros países da Europa, enquanto iam mirando autoestradas por todo o território, asfalto a dar com um pau  e paquidermes arquitectónicos que o tempo viria a transformar em armazéns de cultura.  Ou nem por isso.
     Agora,  catapultado a venerando no Palácio de Belém,  Cavaco  Silva desdobra-se em apelos ao regresso à agricultura,  à floresta  e às pescas,  sublinhando de modo dramático  a urgência do repovoamento das muitas aldeias abandonadas.  Não  evocou as suas posições passadas  por amor à coerência: é que veio ao  mundo  com o glorioso destino de nunca ter dúvidas e nunca se enganar.  Assim  o declarou urbi et orbi  e o povo, sereno,  compreende.
     No tempo em que era primeiro ministro,  Cavaco Silva acabou com  o escudo e entronizou o euro  por entre hossanas e aleluias  à  União Europeia. Sem reticências,  preocupações ou dúvidas. E sem perguntar aos portugueses se queriam  a nova moeda.  Agora,  sempre coerente, corajoso e oportuno,  critica a União Europeia e louva as moedas nacionais que se podiam desvalorizar em função de interesses de mercado internacional.
     Passos Coelho e os seus amigos deitaram abaixo  o governo anterior e gritaram por socorro à troika porque, afirmaram,  Portugal estava de cofres vazios, à  beira da bancarrota. Os portuguses decidiram acreditar. O  governo aceitou a imposição de vender os anéis para que salvemos os dedos.  A primeira venda foi o BPN, aquele banco que nos tem custado os olhos da cara, defraudado por um gang democrata e social, que parece herdar a mesma impunidade dum outro, o da Caixa Económica Faialense,  que no  tempo de Cavaco Silva desgraçou milhares de emigrantes em França e no Canadá.  Os portugueses acharam boa ideia vender o trambolho pelo melhor preço. Apareceram  dois grupos interessados que pagavam  mais de cem milhões de euros e garantiam os  postos de trabalho.  O governo vendeu por 40 milhões, aceitando que seriam despedidos mais de 700 trabalhadores e  assumumindo os custos desses despedimentos, a um banco angolano de que é   representante em Portugal  um social  e democrata com grande traquejo de governo em tempos idos de farta  estrada e abundante betão.
     Não  percebo nada disto.  E a culpa é só minha, sou eu que sou burra.

Sem comentários: