CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão
Desde que vivo no Canadá, houve dois referendos na província do Quebeque para se apurar se os seus habitantes queriam ou não a independência. Ganhou sempre o Não. No último até houve um chefe de fila separatista que, perante a derrota, a atribuíu iradamente aos imigrantes. Nunca percebi a surpreendida cólera do político e por duas razões: porque as pessoas emigraram para o Canadá e não para o Quebeque e porque, sendo que quem emigra fica a dever esse desgosto a aventureirismos políticos nos seus países de origem, é óbvio que ninguém vindo de fora quer contribuir para mais sarilhos. Portuguesente falando, quer sopas e paz.
O fenómeno político interessou-me e tenho-o seguido atentamente. Fiquei a perceber que, no Quebeque, o movimento separatista é republicano, de candeias às avessas com a Igreja Católica e daquela esquerda engraçada que, depois de ter a lua, quer também o sol. As exigências para a independência falaram por si: queriam do Canadá a mesma moeda, as pensões de reforma e o sistema de saúde (que é universal e gratuito). Mas independentes, com lugar na ONU e direito a dizer do Canadá o que lhes apetecesse. Para mim, que sou do sul da Europa e lascarina, esta postura fez-me lembrar aqueles filhos malandrecos, abardinados, que querem pôr-se independentes com uma parte da casa paterna transformada em suite de porta para a escada, mais cama e mesa e roupa lavada, e uns trocos para a bica. Não era para levar a sério. O Canadá inglês também não levou e até tem o partido separatista no parlamento federal. Este lado do Canadá, que vai do Atlântico ao Pacífico, é de matriz britânica, tem nos genes a paciência que calcula o futuro, parece que deixa andar mas está só à espera que a fruta amadureça. Há dias o jornalista Paul Krugman, a propósito de a banca canadiana ter aguentado firme durante a crise financeira que abalou o mundo, disse que o Canadá é “sensaborão” e “chato”. Será como ele diz, mas faz bem. É como as termas, água e pasmaceira, mas o bem que aquilo faz.
Acho que a Madeira é muito parecida com o Quebeque. A diferença é que por cá ninguém se alia aos do Quebeque para ganhar eleições ou para exigências que ponham em problemas o país. Para estes políticos, com todos os defeitos que possam ter, o Canadá está primeiro. É toda uma diferença que os portugueses acabarão por reconhecer.
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