CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Quem emigra quer melhorar de vida, o que também implica estar farto dos chicos espertos que costumam (des)governar o país com todo o ar de estar a salvá-lo e de quem espera a gratidão eterna do povo. Em geral, o emigrante melhora de vida. Mas acaba por esbarrar nas comunidades portuguesas com outros chicos espertos, sempre bem relacionados com os outros de quem se livrou em Portugal.
O chico esperto português é um sujeito intrometido e descarado, que vê tudo pela rama, pela superfície, porque isso lhe convém, e fecha os olhos deliberadamente à realidade mais profunda. As águas turvas em que navega parecem-lhe sempre claras e de feição. Joga em vários tabuleiros, vai a todas, vai trepando sem fazer grande esforço. Aparece em toda a parte: nos jornais, na rádio, na TV, nos actos diplomáticos do croquette e do rissol, nas homenagens a outros chicos espertos, na atribuição de medalhas, nas festas, nas angariações de fundos em que possa fazer negócio parecendo um grande benemérito. Sobre isso, o chico esperto dá opiniões sobre tudo, sem saber de coisa nenhuma. Todo ele é pose, discurso, verborreia, gravata à maneira, sapato brilhante.
Em geral, o chico esperto que ficou em Portugal mete-se nos partidos e com facilidade chega a presidente da câmara, a deputado, a secretário de estado e até a ministro. A exemplo do resto do país, não sabe nada de emigração, mas dá-se ares de saber tudo sobre o assunto e está sempre disposto a terçar armas quando se trata da Língua Portuguesa, essa que ele maltrata todos os dias quando a escreve com erros e com aleijada sintaxe. Se calha de ir parar à pasta governamental das Comunidades, cresce um palmo, nem que seja à custa de saltos suplementares nos sapatos, incha, fala de papo, e trata imediatamente de emparceirar com os chicos espertos espalhados pelo mundo.
Como tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado, há que dizer que não só em Portugal existe corrupção. Nas comunidades portuguesas também a há. Quantas vezes disfarçada e benta. E é vê-los, aos chicos espertos, a irem a Lisboa estabelecer contactos, a inventarem mentiras, a servirem-se do apoio local para ameaçar os que, nas comunidades, trabalham honestamente e não vivem de expedientes. Basta não porem uma assinatura onde os chicos espertos querem para melhor esmifrarem dinheiro ao próximo num encadeamento de pequenas (mas rendosas) fraudes que mina a confiança e paciência dos portugueses de folha limpa. Porque, cá por fora, tudo lhes serve para ganhar dinheiro, a esses chicos espertos que, somadas as contas, são o maior estorvo de quem emigra e de quem, em Portugal, quer manter-se honesto.
Que fazer? Varrê-los à mangueirada ou à chapada? Virar as costas e não dizer nada? Não, caro leitor. Sem desfalecimento, doa a quem doer, denunciar caso por caso, pôr-lhes o nome no jornal, reduzi-los ao que são: videirinhos ignorantes, baixa gente.
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