Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia
Nas Conferências de Maio, em Lisboa, organizadas pelo Centro de Reflexão Cristã, fui confrontado com a pergunta em epígrafe.
De que Espírito somos? Antes de mais, a quem se dirige a pergunta? Suponho que aos cristãos, mas é para todos, pois interessa a todos: qual é o espírito que nos anima?
Hegel viu bem: "O absoluto é o espírito. Esta é a suprema definição do absoluto. Toda a religião e todo o saber se esforçaram por alcançar este ponto; é a partir deste impulso que se deve entender a História Universal." Assim, a filosofia - Hegel filosofa a partir da teologia cristã - é filosofia do espírito e da liberdade.
São Paulo escreveu aos Gálatas: "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes, e não vos sujeiteis outra vez ao jugo da escravidão. Foi para a liberdade que fostes chamados." Esta liberdade está fundada na filiação divina: "Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: 'Abbá! - Pai!' Deste modo já não és escravo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro, por graça de Deus." "Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher." Agora, todos são livres. Somos do Espírito da liberdade - se assim não fosse, nem sequer se poderia formular a pergunta: "De que Espírito somos?"
O Espírito da liberdade é o Espírito do amor. Jesus disse: "Já não vos chamo servos, mas amigos." E a razão é que não há amizade sem confidência e ele confiou-lhes o segredo mais íntimo de Deus: Deus é amor.
Só Deus conhece Deus, que se manifesta e revela. É, pois, no Espírito de Deus que se conhece Deus e tudo quanto há, que só pode ser em Deus. Disseram-no os místicos: "O olho com que Deus me vê é o olho com que eu o vejo; o meu olho e o seu são uma coisa só. Se Deus não existisse, eu não existiria; se eu não existisse, ele não existiria."
Por isso, entre os dons do Espírito, encontram-se os da sabedoria, do entendimento e da ciência: o sábio tem o conhecimento profundo de Deus e julga todas as coisas na sua luz. Quem vive no Espírito Santo, que é o Espírito do nosso espírito, recebeu também o dom do conselho - luz do alto e do mais íntimo para as grandes decisões -, o dom da fortaleza - firmeza no caminho do bem -, o dom da piedade - ternura na relação com Deus e com os irmãos -, o dom do temor de Deus - não é medo nem inquietação, mas princípio da sabedoria e sentido da responsabilidade.
O Espírito Santo e os seus dons produzem frutos. São Paulo escreveu: "Este é o fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra tais coisas não há lei. Se vivemos no Espírito, sigamos também o Espírito. Não nos tornemos vaidosos, a provocar-nos uns aos outros, a ser invejosos uns dos outros. Se um homem for apanhado nalguma falta, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão; e tu olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado. Carregai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo."
O fruto mais excelente do Espírito é o amor unido à benignidade, à bondade, à fidelidade e à mansidão - "Na tarde da vida seremos julgados pelo amor", escreveu São João da Cruz. Com o amor vem a alegria. A paz é a tranquilidade na ordem: há paz quando há justiça e tudo vai bem dentro de nós, com os outros, com Deus e a criação. A paz interior dá força à paciência, que não é resignação. O autodomínio mantém a pessoa íntegra para si e na sua entrega aos outros.
Afinal, de que Espírito somos? Uma forma eficaz de responder é colocar outra pergunta, talvez mais concreta: cometemos pecados contra o Espírito Santo? Entre esses pecados - pecar é coisificar o Homem -, contam- -se: "Ter inveja das mercês que Deus faz a outrem", "Contradizer a verdade conhecida como tal", "Obstinação no pecado", "Desesperação de salvação."
Temo o perigo da escravização própria e alheia, do afundamento no lamaçal da mentira, contradizendo a verdade conhecida como tal, da inveja, da obstinação no pecado e, em tempos de niilismo, da vertigem da desesperação.
In Diário de Notícias.
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