PALAVRAS DE S. A. R. O DUQUE DE BRAGANÇA POR OCASIÃO DA ENTREGA DAS MEDALHAS DE MÉRITO DA ORDEM DE VILA VIÇOSA A 17 / 3 / 2007 :
Acreditamos na democracia e no Estado de Direito como a melhor forma de representar o interesse de todos; como o mais justo dos sistemas políticos; e como o caminho para evitar o totalitarismo e apurar os melhores valores da sociedade que queremos construir.
Talvez por isso, é estranho receber - através da Democracia e do Estado de Direito - uma lei que afronta a representação do interesse de todos; que não aplica a justiça no primeiro dos direitos - que é o direito à vida; que não evita o totalitarismo de um ser humano sobre a vida de outro ser humano; e que nem sequer apura os nossos valores éticos que residem no humanismo e no respeito pela vida, aliás consagrado na Constituição.
Sabiamos que, ao referendar o direito à vida, havia o risco de ele se tornar discricionário, como aconteceu. Mas como foi possível chegar a este ponto? O bispos portugueses, reunidos em Fátima três dias depois do Referendo, identificaram várias causas para esta «mutação cultural no povo português»:
· «a mediazação global de correntes de opinião»;
· «lacunas na formação da inteligência»;
· um «sistema educativo» que não educa «no sentido da vida»;
· «o individualismo no uso da liberdade e na busca da verdade que influencia o conceito e o exercício da consciência pessoal»
· «a relativização dos valores que afectam a vida das pessoas e da sociedade».
Uma mutação cultural que «deve ser encarada com realismo pois indicia o contexto em que somos chamados a exercer a nossa missão».
Na verdade, o resultado do Referendo não desautoriza os valores defendidos pelo «Não». O respeito pela vida é maior do que o respeito pela maioria das opiniões. Como os bispos disseram a 11 de Fevereiro: «o facto de o aborto passar a ser legal não o torna moralmente legítimo». Ou como disse, na passada terça-feira, o Papa Bento XVI «a vida humana humana, em todas as suas fases desde a concepção até à morte natural, é um valor inegociável».
Precisamos, por isso, de continuar defender o Direito à Vida no nosso País onde hoje é possível, é legal e é financiável com dinheiros públicos, resolver o problema de um ser humano, com a morte de outro ser humano, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Desde o Referendo de 1998, que muitos de vós praticam a defesa da vida em múltiplas obras que defendem as mães e os filhos do nosso País.
Fazem-no com abnegação e generosidade. Fazem-no todos os dias, desinteressadamente, em silêncio, sem considerarem obstáculos e desânimos. Fazem-no exemplarmente. São metódicos e criativos na aplicação dos princípios em que acreditamos. O seu trabalho foi vital para consolidar, ainda mais, os argumentos da campanha do «Não».
O Referendo ao Aborto não é o primeiro caso na nossa história que nos desvia dos melhores valores do humanismo e do respeito pela vida. Não nos podemos orgulhar, por exemplo, da expulsão dos portugueses de religião judaica e dos padres Jesuítas ou da extinção das ordens religiosas e confisco das suas propriedades. Mas conseguimos ultrapassar esses momentos e hoje rejeitamos todo o tipo de perseguição religiosa.
Acredito que, se não desistirmos, também o respeito pela vida será, de novo, uma realidade em Portugal. «É na dificuldade que se forja o carácter». Esse carácter com provas dadas durante toda a campanha que antecedeu o Referendo ao Aborto que hoje aqui saudamos e agradecemos empenhadamente.
Estas pessoas improvisaram instalações, procuraram meios onde nada havia, apuraram argumentos e seleccionaram os protagonistas que, entre todos, melhor podiam representar a causa em público. Organizaram caminhadas e confiaram, com moderação, na razão que lhes assiste. Percorreram o País de Norte a Sul para melhor esclarecer a decisão dos eleitores. E quantas vezes o fizeram em ambientes hostis e em absoluta minoria!
Não desistiram perante a falta de recursos. Não desanimaram diante da poderosa vaga de distorções em que se fundamentou a campanha do «Sim». E, tal como em 1998, não se conformam com o resultado apurado por uma minoria de portugueses .
Merecem todo o nosso reconhecimento e gratidão. É o que nos trás hoje a uma Igreja dedicada à Encarnação.
Manifestamos assim aos movimentos de defesa da vida o maior apreço pelo trabalho que realizam em Portugal. Este reconhecimento encontra forma na entrega da Medalha de Mérito da Real Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Esta condecoração foi instituída pelo meu trisavô o Rei Dom João VI, precisamente para reconhecer altos serviços prestados à Nação.
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