ARCY LOPES ESTRELLA: SAUDADES E LEMBRANÇAS...
por Fernando Rodrigues
“
Na mão de Deus, na sua mão direita
descançou, afinal meu coração”.
O soneto de Antero de Quental é uma homenagem a falecida esposa do escritor luso Oliveira Martins, e é também nossa homenagem ao amigo e companheiro Dr. Arcy Lopes Estrella que recentemente nos deixou... ou tão somente Estrella como o chamavam.
O Dr. Estrella foi um daqueles tipos inesquecíveis, cuja vida confunde-se com o próprio ideal, que acolheu ainda menino nos idos de 1936, fazendo juramento no Núcleo das Laranjeiras, sob a chefia do Dr. Rocha Vaz a quem tanto estimava.
Homem de partido, foi um animador, um entusiasta que contagiava a todos com sua convicção na vitória do integralismo, sobretudo, através do seu sempre combativo boletim “Alerta”.
Em uma sociedade, como lembra Marcel de Corte, com a praga que Paul Valéry chama “a multiplicação dos sós”, através de sua luminosa inteligência, o Dr. Estrella, estava sempre solicito as indagações, duvidas e angustias de uma grande gama de jovens que procuravam sua orientação no Centro Cultural Plínio Salgado, em São Gonçalo.
Muitos destes jovens estranhavam ao perguntar o que seria ser integralista e Ter como resposta de nosso homenageado: “amar uns aos outros e perdoar sempre os que erram sem se afastar dos caminhos ensinados pelo mestre”. Entende-se esta assertiva, porquanto, o Dr. Estrella, entendia, ao meu ver com razão, o integralismo como sendo uma filosofia assentada sob as bases firmes do evangelho.
Me acode à lembrança uma noite em que conversávamos na varanda de sua casa, já autas horas da noite, e ele me relatava o dia em que recebeu um telefonema da esposa de Raimundo Padilha, queria ver-lhe o ex-governador do Estado da Guanabara, que se encontrava enfermo. De pronto se deslocou até Niterói ao encontro do velho amigo, quer carinhosamente chamava de “Chefe”, Dr. Arcy era um jato de amor.
Falaram entre outras coisas, sobre os tempos gloriosos da AIB, sobre a saída de Padilha do PRP e sobre sua negativa a candidatura de Plínio Salgado a presidência da república em 1955, ao passo que Padilha reclamava do abandono dos antigos companheiros, enfim foi uma conversa longa que me relatou em detalhes e que acabou com um pedido ao doente, com a caridade cristão que lhe era peculiar: “Chefe! Vamos rezar um terço?”. O pedido foi atendido, a esposa de Padilha convoca toda a família e juntos rezam a oração tão solicitada por Nossa Senhora em Fátima. Passou-se alguns dias e Deus chamou para si um dos grandes líderes do movimento Integralista.
Lembro sempre daqueles olhos marejados que se umedeciam constantemente a cada recordação, quando falava de um velho amigo sacerdote que andava sempre reclamando dos avanços da Igreja Nova, ou progressista, Dr. Arcy dava risada, que saudade tenho do riso desse amigo, quando lembrava do velho Padre que vivia dizendo em tom bravo: “Padre que é Padre usa batina, Padre sem batina não é Padre”...
Lembrava com saudosismo do Poeta curitibano Tasso da Silveira, hoje olvidado do meio intelectual esquerdizante, entrementes, não deixava de falar sobre outro Poeta, Abel Rafael Pinto, que também foi deputado, católico sincero como Tasso, Congregado Mariano como Dr. Estrella.
Pouco antes de falecer me enviou um livrinho sobre a figura emblemática do General Franco de autoria de Paulo Fleming que conheceu ainda bem moço e exaltava suas qualidades como literato de inteligência máscula.
Ainda, nos idos de 36, pelas ruas da Praia de Copacabana, encontrava-se com um rapazote vestido com uma batina surrada entregando presentes aos meninos quer moravam na rua, era o então Pe. Hélder, posteriormente Bispo de Olinda, que em outros tempos teve a frente o inesquecível Dom Vital. O Pe. Hélder deste tempo ainda não havia se contaminado com os erros quer doravante o fariam trilhar caminhos errantes, contrários a doutrina da Santa Igreja.
De uma feita enviou-me uma carta relatando sua alegria, pois, tinha o então Arcebispo de Niterói Dom Carlos Alberto Navarro, de saudosa memória, lhe pedido um exemplar de “A Vida de Jesus”, de Plínio Salgado, sendo o mesmo pedido feito pelo Pe. Cássio, diretor do Seminário São José da mesma cidade carioca. Outro grande Arcebispo de quem sempre falava era de Dom Antônio Almeida de Moraes, ressaltando suas qualidades como orador sacro e das conversas onde o Dom Antônio falava com entusiasmo sobre Plínio Salgado com quem estudou quando menino em Minas Gerais.
Recordo-me com especial atenção de quando ele sentava-se colocava o cutuvelo sobre a mesa com o punho fechado sobre o rosto já marcado pelo tempo, os olhos continuavam marejados, e quase lacrimejavam quando falava sobre o Major Jayme Ferreira da Silva, falava-me por longo tempo do major cego, que quando vereador defendia o Integralismo dos comunistas com zombarias. Em vôo de São Paulo ao Rio de Janeiro, em certa altura o Major, sempre com seus óculos escuros, assegurando seu braço dizia: “Estrella! Estamos sob a ponte Rio/Niterói”. – “Dr.! O Sr. é cego, como sabe disso?” – Estrella! Você não sabia que eu tenho um sexto sentido?” – responde com o tom sempre irônico o ilustre Major...e lá estava o Estrella com os olhos umedecidos, lacrimejando.
Era um patriota em sentido lato, um lutador intrépido, não era um intelectual, e o que importa, não era Bernanos que rugia: “Considero Intelectual moderno como o ultimo dos imbecis até que me provem o contrário”? Não tinha duvidas acerca de suas convicções, por isso era contundente a até persuasivo na afirmação de que “o Integralismo virá eu tenho certeza, mas devagar...”.
A morte de sua amada o abalou muito, sentia isso através de suas cartas cada vez mais tristonhas. Um dia me escreveu falando para escrever uma nota sobre o falecimento de D. Alcina, assim o fiz, e ele me dizia que não conseguia ler, pois não conseguia parar de chorar.. Isso faz-me lembrar de Machado de Assis, que sentindo a ausência de Carolina, companheira de 35 anos, se dirigia a Joaquim Nabuco lamentando: “Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei, vê-la, ela me espera”... Em entrevista com Carlos de Laet chorava o ilustre escritor a falar da morte de Carolina e dizia ainda a Joaquim Nabuco, “a falta é enorme”, “tudo isso me abafa... me entristece”. Falo isso, pois em uma de suas ultimas cartas Dr. Arcy reclamava da solidão, da ausência daquela que lhe acompanhou durante mais de 50 anos e parecendo prever o que estava por vir dizia: “no dia em que Deus me enviar para o “Reino que não é deste mundo”, creia-me: eu irei feliz como tantos cristãos o fizeram”...
Quando fico triste, quando a saudade e a solidão são lancinantes, me vem a memória meu amigo Dr. Arcy, assim eu o chamava, alias, recordo também do Herbet Parentes Fortes, que não conheci, senão através de um artigo do Alceu, o Tristão de Athayde, e fiquei atordoado quando soube que antes de lhe ser amputada a mão direita, Herbert, rogou a Deus que antes de tal infortúnio, lhe fosse concedido dedicar um poema em honra da Virgem Maria, o que de fato aconteceu. Lembro deles dois, pois os une, a fidelidade com que defenderam o catolicismo, a devoção a mãe de Deus. Isso faz com que cada vez mais eu de razão ao insaciável León Bloy, o Peregrino do Absoluto, que dizia que a maior tristeza do Homem é não ser Santo, é, ele tinha razão.
Não poderia terminar esta humilde homenagem através destas mal traçadas linhas, se não, da forma como comecei, ou seja, lembrando Antero de Quental:
“
Na mão de Deus, na sua mão direita
descançou, afinal meu coração”.