REFERENDOS
Por Teresa Martins de Carvalho
Quando se pretende saber a resposta a determinada pergunta, resposta que seja mesmo a valer, comprometedora e não uma brincadeira, a primeira condição é, evidentemente, que a pergunta seja clara, entendível, sem segundos sentidos. Figura introduzida recentemente no direito político português, o referendo tem conseguido, nas vezes que foi aplicado, uma importante percentagem de n/s, n/r (não sabe, não responde) “resposta” que conhecemos das simples sondagens a amostras de gente.
Este alto índice de abstenção, ou seja de recusa a responder, (que é isso que quer o dizer o n/s, n/r) é que decide do valor indicativo e depois aplicável a lei ou autorizando tomadas de posição. Se a abstenção for alta, o referendo perde o seu valor de referendo... É o que nos dizem. Uma maioria forte é a verdade, a maioria simples é mentira.
Daqui a necessidade de uma pergunta ou perguntas acessíveis e interessantes de modo a provocarem tomadas de posição reais em quantidade bastante para legitimarem o referendo. Se a pergunta for capciosa, percentagem ou não percentagem suficiente, é tudo mentira.
Estas coisas já as sabemos e é um risco para a governança lançar referendos a desagradados cidadãos que, não percebendo o que se quer deles, negam tudo. Porque é disso que se trata. Sacar as respostas que se pretendem para satisfazer ideologias impraticáveis, refrescar posições do poder ou assegurar caminhos já tomados. No fundo, quem se interessa pelos resultados dos referendos é um executivo que necessita de aprovação geral afim de legitimar acções que arrastam consigo responsabilidades enormes que ninguém gosta de tomar sozinho e ser julgado depois, à luz da História. É mais fácil descarregar no referente. Foram vocês que quiseram...Ou não quiseram.
Manejável, o referendo? Muito. Uma conhecida figura socialista em funções políticas teme o referendo sobre a Constituição europeia porque pode dar origem a negações estrondosas que, provavelmente, irão fazer perder subsídios europeus ao menino Portugal, bem comportado e pobre, fazendo também nascer resquícios de um nacionalismo muito pouco europeu, reaccionário e inútil. E o que o padres irão dizer nas igrejas?
Este senhor não quer o referendo, é óbvio. Acha-o perigoso de mais.
O resultado do referendo sobre o aborto de há poucos anos, não satisfez a esquerda parlamentar que vai lançar outro referendo, e lançará mais outro e outro... até dar a resposta que quer... É uma táctica diferente.
Caso curioso é o do referendo sobre a regionalização. Esta foi recusada porque as regiões não querem ser confundidas. Têm as suas culturas próprias e rejeitam serem definidas e misturadas à vontade de ministros ditos tecnológicos, recortando o país no recato dos gabinetes, à moda de Mousinho da Silveira... Não espreita já a Maria da Fonte mas foi isto que talvez tenha acontecido e não a defesa intransigente de um qualquer centralismo salvador que não deixasse cortar o país aos bocados e guardasse a união nacional. Deixar a iniciativa aos municípios para se unirem quando têm interesses comuns? É isso que está acontecendo, sem referendos e mandatos de cima.
O que é a Europa? Se o país é pequeno e a sua língua é pouco falada na União (embora seja das mais faladas no mundo), de nada vale. Outros países com mais peso linguístico, por virtude de maior população, determinarão quais serão as línguas consentidas nos encontros dos 25. O português é pouco falado logo não é europeu que se veja.
Mas os portugueses só serão europeus se forem portugueses, falantes e tudo. Se alguém julga que pode pôr de lado uma língua sem grande expressão na Europa só para facilitar os encontros europeus, está a ferir a Europa, a magoá-la, a desfigurá-la porque lhe pertence toda a História passada, com cristianismo, sim senhor, e o seu papel fundamental na construção da civilização ocidental.
A Europa é a morada de muitos povos e línguas, “globalizá-la” é faltar à História para poupar aos presentes as escravidões da memória. Não é só um mercado, mas variedade.
Sem memória não há gente consciente, com vontade própria. Manejada pelas economias e sujeita à “força militar única”, com destino imperial, só para enfraquecer os Estados Unidos...
No fim e ao cabo, o referendo que os governantes vão “conceder” aos portugueses a propósito da Constituição europeia, está, à partida, submergido na formidável complexidade da questão. Se é para os portugueses nela intervirem na escolha (qual escolha?) de uma Constituição para a Europa não são eles assim tão parvos. A única qualidade que tem o referendo – e afinal a sua única força – é podermos dizer não... No gesto de quem o promove vem sempre o sim implícito, esperando a ronha sabida do governante que o povo caia na tentação do facilitismo. Não vamos nisso.
Nos liberi sumus; Rex noster liber est, manus nostrae nos liberverunt... [Nós somos livres; nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertaram...]
sexta-feira, outubro 24, 2003
segunda-feira, outubro 20, 2003
JOÃO PAULO II
Por Teresa Martins de Carvalho
É já considerado o Papa mais importante do século XX, não só por causa da extensão do seu pontificado mas sobretudo pelo vigor de muitos dos seus gestos e ditos, clamorosos, inéditos ou que vieram completar, estrondosamente, os gestos, proféticos, iniciados por João XXIII e Paulo VI, seus antecessores.
A insistência no perdão, na paz, na união, no derrubar de muros, na reparação de rompimentos e de ódios, na salvaguarda da família e da vida, cria-lhe temas extremos que terá de desenvolver segundo a fé e que explicam a velocidade de um pontificado que também se pode exprimir em números: tantas viagens, tantas canonizações, tantas beatificações, tantos discursos, tantas encíclicas, tantas intervenções...
Um Papa polaco? Quando o soube, Brejnev, o ditador de serviço na União Soviética, exclamou: - Agora há-de querer ir à Polónia... Vai tudo acabar, então...
A queda do muro de Berlim e a reunificação da Europa começa aí, com um Papa polaco. E não sabia da missa a metade... A compleição de um atleta, a força física patente de quem pratica desporto ao ar livre, a sensibilidade do artista, a ternura de quem foi privado da família desde cedo, o gosto pela festa, o bom humor, são qualidades que outras pessoas porventura compartilharão com ele. Parece-nos que aquilo que faz a força do Santo Padre se considera melhor noutra dimensão: a coerência. Coerência firme, resoluta, corajosa, entre aquilo em que acredita, a sua fé e o que pensa, diz, faz... É raríssimo encontrar um espécimen humano com tal grau de unidade da mente, coração, inteligência, vontade. Essa força espiritual transforma-se nele em poder quase mágico, contagiante, o do orante contemplativo que recorda a fascinação que exerce nos crentes o staretz russo, o santo eremita, característica única da intensa espiritualidade eslava. Este carisma excepcional que atrai multidões, conquista os jovens, ele, o papa “sempre juvenil” mesmo agora, já velho e tão doente, arrastando-se numa Via Sacra interminável, imagem do seu modelo Jesus Cristo, dando-se até à Cruz.
Num mundo onde os corpos jovens dominam a sociedade, sociedade em que os velhos são “descartáveis”, esta visão do Papa moribundo incomoda. Ela anuncia quem está saudável mentalmente, mesmo sem quase poder mexer-se nem por isso deverá desligar-se da sua vocação, religiosa ou humana. Persistência e coragem mais uma vez por mostrar-se assim diminuído, aos olhos de todos, ele, o antigo atleta. «É quando sou fraco que sou forte» diz-nos S. Paulo (2 Cor 12, 10). Belo exemplo para todos os fracos, os velhos e os doentes que sofrem a tentação de desistir de viver, de cumprir até ao fim a sua chamada a este mundo.
São inumeráveis os pontos em que assentou a sua força e a sua verdade mas talvez o que mais marcará a sua passagem na Cadeira de Pedro é o abrir os braços aos outros cristãos separados, na busca da unidade, aos crentes de outras religiões, começando pelos judeus, “nossos irmãos mais velhos”, o chamado espirito de Assis, onde por duas vezes, na terra de S. Francisco, foi o anfitrião humilde dos crentes de todos os quadrantes, na oração comum pela paz.
Este Papa universal que transita de século e de milénio, como quem abre portas, é uma figura luminosa, ponto de referência e de acolhimento.
«Vós sois o sal da terra e a luz do mundo» disse o Senhor aos seus seguidores (Mt 5, 13-16). Na sociedade ocidental em perda de valores, que já não é cristã, nem sequer de inspiração cristã, sociedade do simulacro, da vitória da aparência sobre o ser, percebe-se que tal homem, como João Paulo II, marque o seu tempo como figura insigne, perpassada de mistério e de intensa humanidade.
A beatificação de Madre Teresa de Calcutá, que tão ardentemente ansiava realizar, obtendo que o processo galgasse trâmites e tempo, ver-se-á sempre como o encontro desejado e culminante entre duas figuras maiores do século XX, ambos transportando consigo, nas suas vidas, o radicalismo evangélico. O Papa tão criticado por ser político, a religiosa tão criticada por não ter sido política.
Dons de Deus à humanidade.
Por Teresa Martins de Carvalho
É já considerado o Papa mais importante do século XX, não só por causa da extensão do seu pontificado mas sobretudo pelo vigor de muitos dos seus gestos e ditos, clamorosos, inéditos ou que vieram completar, estrondosamente, os gestos, proféticos, iniciados por João XXIII e Paulo VI, seus antecessores.
A insistência no perdão, na paz, na união, no derrubar de muros, na reparação de rompimentos e de ódios, na salvaguarda da família e da vida, cria-lhe temas extremos que terá de desenvolver segundo a fé e que explicam a velocidade de um pontificado que também se pode exprimir em números: tantas viagens, tantas canonizações, tantas beatificações, tantos discursos, tantas encíclicas, tantas intervenções...
Um Papa polaco? Quando o soube, Brejnev, o ditador de serviço na União Soviética, exclamou: - Agora há-de querer ir à Polónia... Vai tudo acabar, então...
A queda do muro de Berlim e a reunificação da Europa começa aí, com um Papa polaco. E não sabia da missa a metade... A compleição de um atleta, a força física patente de quem pratica desporto ao ar livre, a sensibilidade do artista, a ternura de quem foi privado da família desde cedo, o gosto pela festa, o bom humor, são qualidades que outras pessoas porventura compartilharão com ele. Parece-nos que aquilo que faz a força do Santo Padre se considera melhor noutra dimensão: a coerência. Coerência firme, resoluta, corajosa, entre aquilo em que acredita, a sua fé e o que pensa, diz, faz... É raríssimo encontrar um espécimen humano com tal grau de unidade da mente, coração, inteligência, vontade. Essa força espiritual transforma-se nele em poder quase mágico, contagiante, o do orante contemplativo que recorda a fascinação que exerce nos crentes o staretz russo, o santo eremita, característica única da intensa espiritualidade eslava. Este carisma excepcional que atrai multidões, conquista os jovens, ele, o papa “sempre juvenil” mesmo agora, já velho e tão doente, arrastando-se numa Via Sacra interminável, imagem do seu modelo Jesus Cristo, dando-se até à Cruz.
Num mundo onde os corpos jovens dominam a sociedade, sociedade em que os velhos são “descartáveis”, esta visão do Papa moribundo incomoda. Ela anuncia quem está saudável mentalmente, mesmo sem quase poder mexer-se nem por isso deverá desligar-se da sua vocação, religiosa ou humana. Persistência e coragem mais uma vez por mostrar-se assim diminuído, aos olhos de todos, ele, o antigo atleta. «É quando sou fraco que sou forte» diz-nos S. Paulo (2 Cor 12, 10). Belo exemplo para todos os fracos, os velhos e os doentes que sofrem a tentação de desistir de viver, de cumprir até ao fim a sua chamada a este mundo.
São inumeráveis os pontos em que assentou a sua força e a sua verdade mas talvez o que mais marcará a sua passagem na Cadeira de Pedro é o abrir os braços aos outros cristãos separados, na busca da unidade, aos crentes de outras religiões, começando pelos judeus, “nossos irmãos mais velhos”, o chamado espirito de Assis, onde por duas vezes, na terra de S. Francisco, foi o anfitrião humilde dos crentes de todos os quadrantes, na oração comum pela paz.
Este Papa universal que transita de século e de milénio, como quem abre portas, é uma figura luminosa, ponto de referência e de acolhimento.
«Vós sois o sal da terra e a luz do mundo» disse o Senhor aos seus seguidores (Mt 5, 13-16). Na sociedade ocidental em perda de valores, que já não é cristã, nem sequer de inspiração cristã, sociedade do simulacro, da vitória da aparência sobre o ser, percebe-se que tal homem, como João Paulo II, marque o seu tempo como figura insigne, perpassada de mistério e de intensa humanidade.
A beatificação de Madre Teresa de Calcutá, que tão ardentemente ansiava realizar, obtendo que o processo galgasse trâmites e tempo, ver-se-á sempre como o encontro desejado e culminante entre duas figuras maiores do século XX, ambos transportando consigo, nas suas vidas, o radicalismo evangélico. O Papa tão criticado por ser político, a religiosa tão criticada por não ter sido política.
Dons de Deus à humanidade.
quinta-feira, outubro 16, 2003
«TU ÉS PEDRO»
“Chegando Jesus ao território de Cesaréia de Filipe, perguntou aos discípulos: «Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?» Disseram: «Uns afirmam que é João Baptista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas. Então lhes perguntou: «E vós, quem dizeis que eu sou?» Simão Pedro, respondendo, disse: «Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo». Jesus respondeu-lhe: «Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela”
(Mt 16, 13-18)
“Chegando Jesus ao território de Cesaréia de Filipe, perguntou aos discípulos: «Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?» Disseram: «Uns afirmam que é João Baptista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas. Então lhes perguntou: «E vós, quem dizeis que eu sou?» Simão Pedro, respondendo, disse: «Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo». Jesus respondeu-lhe: «Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela”
(Mt 16, 13-18)
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