sexta-feira, março 30, 2012

Carteira de Senhora

por Leonor Martins de Carvalho 

A carteira hoje pôs-me satisfeita. Enfiei a mão, sorrateira, ela baralhou e saiu um estado de alma. Ainda por cima aquele que mais faz parte do nosso quotidiano: a insatisfação. Num genuíno dicionário de português, a palavra satisfação apenas devia aparecer como mero antónimo de insatisfação. Não tem por cá definição própria. Ao latim apenas fomos buscar a raiz da palavra para depressa lhe antepormos o prefixo que a nega.

Quem é que está satisfeito em Portugal? Rigorosamente ninguém. O maior optimista português também reclama contra a fila na repartição…

A insatisfação é intrínseca à portugalidade, está inscrita no nosso ADN. Vê-se mesmo que os únicos satisfeitos que por aí andam não têm este gene. Foram importados por engano. Alguém se esqueceu de verificar se estava preenchido o campo 459 da declaração alfandegária, que exige a insatisfação como permanente estado de alma.

Começa logo de manhã. “Como está, passou bem?” Nunca passou. Nunca. Normalmente vai passando.
Segue-se o tempo. Por mais que se esforce, não há forma de o clima conseguir satisfazer um português. Jamais está a contento.

Depois a vida - ai a vida! – que é sempre madrasta. Da sogra aos filhos, da escola ao trabalho, do hospital às férias, a insatisfação é um parasita constante, sem remédio nem cura. Nunca nada é perfeito. O verdadeiro português nem o que está perto da perfeição aprecia. Se não é perfeito, não satisfaz. Não se contenta com pouco, quer toda a perfeição a que tem direito.

Ao fim do dia, a política. Não conseguem apontar uma única medida que os satisfaça, ou, se conseguem, calam-na para que só as insatisfatórias brilhem no espaço sideral. Esta qualidade do insatisfatório aplica-se especialmente aos intervenientes. Aqui podemos fazer uma ressalva, pois é o único caso em que a insatisfação total se adequa à realidade. Valha-nos uma insatisfação justificada! Desculpa todas as infundadas.

Há 2 espécies de insatisfeitos. Completamente diferentes uma da outra, embora às vezes se encontrem à esquina.

A primeira são os insatisfeitos que gritam e esbracejam em público mas na frente do funcionário são cordeirinhos mansos. Reclamam, queixam-se, murmuram continuamente palavras de ódio entre dentes rangentes, mas afinal baixam os braços, aceitando resignados, e como cruz, a raiz, caule, flor e frutos da insatisfação.

A segunda espécie - nem vão acreditar - deu origem aos Descobrimentos. Afinal sempre pode ser uma virtude, a insatisfação… Estes insatisfeitos são os que não gostam desse estado de alma e, por isso, lutam em busca da resolução do busílis da questão. Sofrem de inquietude aguda e não ficam satisfeitos enquanto não se livram do que lhes rói a alma. São os que não desistem, actuam, escrevem no livro amarelo, emigram, lutam, vão àquela manifestação por aquilo em que acreditam mesmo que sejam só vinte.

Afinal, não fora os insatisfeitos não haveria Portugal, ou não fossem D. Afonso Henriques, D. João I, o Infante D. Henrique, os conjurados, D. João IV, uns perfeitos insatisfeitos…

Na essência, somos produto das duas espécies, dependendo das circunstâncias, e neste momento Portugal precisa urgentemente da segunda. A brava.

quinta-feira, março 29, 2012

sexta-feira, março 09, 2012

A sobremesa americana

CARTA DO CANADÁ por Fernanda Leitão

O prémio Nobel, depois de lhe terem aposto as insígnias doutorais de três universidades, desabafou, entre naif e apardalado, que nunca tinha tido tantas coisas penduradas no pescoço ao mesmo tempo. Ninguém o avisou que Portugal é a pátria do oito ou oitenta. Depois, no silêncio do seu quarto de hotel, Paul Krugman escreveu para o New York Times uma prosa datada de Lisboa.

Prosa desencantada que começa “por aqui as coisas estão terríveis”, estende a lista do desemprego alarmante, da economia que não cresce, da classe média esmagada e vestindo o estatuto de novos pobres, da recessão garantida, da dívida que não é garantido poder ser paga. E acaba perguntando:”Porque é que a Europa se tornou o doente da economia mundial?”. Para, de novo, elaborar uma lista de razões e de comparações, acabando por denunciar a “irresponsabilidade fiscal” e o excesso de austeridade despótica da Alemanha. Que, no seu parecer, vai provocar situações como a da Grécia nos países do sul da Europa. E não só, já que se mostra sombrio em relação à Irlanda, Bélgica e Holanda.

E rematou: “Para o resto do mundo ter a Europa no caminho certo faz toda a diferença, porque as histórias acerca da Europa estão a ser usadas para impor políticas cruéis ou destruidoras, ou ambas as coisas. Quando voltar a ouvir pessoas invocando o exemplo europeu com o fito de exigir a destruição da segurança social ou os cortes brutais numa economia profundamente deprimida, é preciso que saiba: essas pessoas não sabem do que estão a falar”.

Os meios da comunicação social portugueses referiram repetidamente os almoços que Krugman teve com o primeiro ministro e o ministro das Finanças, como quem tem a certeza de não haver almoços grátis em parte nenhuma. Não ponho de parte que o governo tenha apreciado esses almoços com uma lente de aumentar. Mas estou certa que não apreciou mesmo nada esta sobremesa americana deixada à solta na imprensa internacional, sobretudo neste período de azia provocada pelo petisco de Vancouver. Krugman, esse, americano e pachola, deve ter dito o que dizem os americanos pacholas quando lhes oferecem almoços: it was lovely. Mesmo não tendo gostado por aí além... Marketing oblige.

quinta-feira, março 08, 2012

Mário Saraiva - A traição de Felipe II





In Mário Saraiva, Apontamentos - História, Literatura, Política, Lisboa, Universitária Editora, 1996, pp. 181-186.

Mário Saraiva - Para a História Sebástica

Eis três páginas notáveis da historiografia portuguesa, que são um verdadeiro clarão iluminando a História do rei D. Sebastião, de Portugal, de Marrocos e de Espanha.


In Mário Saraiva, "Para a História Sebástica", Correio da Manhã, 25 de Abril de 1993; aqui reproduzido a partir de Mário Saraiva, Impressões e Memória, Lisboa, Universitária Editora, 1998, pp. 47-49.

O documento aqui referido por Mário Saraiva foi publicado em


  • Álvarez de Toledo, Luísa Isabel. Alcazar Quivir. Madrid, Fundación Universidad Complutense – Casa de Medina Sidonia, 1993.


O Arquivo da Fundación Casa Medina Sidonia é um dos mais ricos Arquivos Históricos da Peninsula Ibérica e, depois desta chamada de atenção de Mário Saraiva, tornou-se verdadeiramente incontornável no que concerne aos Estudos Sebásticos.