por Fernanda Leitão
Um insulto de artrite num joelho, obrigando a imobilidade, saco de gelo e anti-inflamatórios, não é pera doce mas tem a vantagem de vermos televisão sem remorsos de roubar esse tempo a tarefas ditas úteis, sobretudo se podemos dispor de mais de cem canais em várias línguas, isto é, se entre o lixo podemos escolher o que é bom. Se o leitor está a pensar que considero a televisão um artigo utilitário e nada mais do que isso, acertou.
Mastiguei, pedacinho a pedacinho, um longo documentário sobre o regresso dos gregos à agricultura. Barcos cheios, famílias inteiras deixando Atenas e outras cidades para regressarem aos abandonados campos das suas ilhas. Também eles foram vítimas de políticos de vistas curtas e vasto engodo pelos dinheiros da União Europeia, sem a cultura histórica que lhes daria a prudência de não porem os seus países a jeito do lobo alemão. Soube-me bem ver a determinação e a coragem com que milhares de gregos pegam nos tractores e nas enxadas, amanham hortas e pomares, deitam sementes à terra, fazem colmeias, instalam rebanhos e, ao mesmo tempo, não esquecem o turismo a vir. Não acreditam nos governantes, mas acreditam em si mesmos, que é o mais importante. Se não pagarem a dívida, não se sentirão inferiores como pretende a Alemanha, essa que tem para com a Grécia uma dívida de centenas de milhões, a que foi condenada pelo que roubou e pelos danos causados à nação helénica durante a II Guerra Mundial, e se permite o abuso de não pagar. Ao contrário da Itália, também condenada por causa das malfeitorias das tropas de Mussolini: pagou tudo aos gregos. Enfim, gostei de ver como os gregos levantam a cabeça, não amocham e estão ali para o que der e vier. Povo antigo, povo sábio.
Espero que estes documentários passem nas televisões portuguesas para nos sentirmos menos sós. Porque também nós havemos de chegar ao momento de levantar a cabeça e não amochar diante dos criados de quarto dos figurões estrangeiros que enchem os bolsos com o nosso empobrecimento. Em Portugal, como em todos os países, há élites. Que podem ser positivas ou negativas. Por agora, estamos na negativa. Mas a história ensina-nos que,ao contrário das élites negativas, o povo português nunca traíu a Pátria. E há sempre uma élite positiva que se lhe junta na 23ª hora. Somos um povo velho e sábio.
Calhei de encontrar um programa português, o Reencontro, filmado em Angola, de que foi pivot Fátima Campos Ferreira. Creio que chamam àquilo “diplomacia económica”, mas a mim pareceu-me diplomacia de cócoras no exclusivo interesse de certos governantes que se consideram africanistas porque em garotos passaram meia dúzia de anos nas antigas colónias. São a martelo como o whiskey de Sacavém. Coisa feia. Mudei logo de canal. Gostava de ter ali a meu lado, naquele momento, patrícios meus, negros e mulatos, velhos amigos, para nos rirmos destes que, talvez para serem dignos herdeiros de papá, são todos da kuribeka. Precisam de muleta. E havíamos de sorrir recordando velhas histórias das moças do colégio de Sá da Bandeira, naquele tempo dirigido pela Madre Paiva Couceiro, filha do inesquecível capitão das guerras de África e das incursões monárquicas. Contavam elas que, quando sabia que alguma loja maçónica estava a ser construída ou instalada, a Madre ia na noite escura mais as moças pôr medalhas bentas na obra.
E diziam, contentes, que aquelas kuribekas davam em nada.
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