Nesta conjuntura, cumpre-nos continuar a mobilizar os portugueses para a defesa da autonomia do Estado português, o que hoje significa pugnarmos pela saída da Zona Euro e do buraco mediterrânico a que nos destinaram.
Não podemos continuar agarrados à miragem de uma contrição dos partidos pecadores, exigindo-se-nos a reivindicação clara de um programa de restauração da República em bases populares.
No caso de um súbito agravamento da crise nacional, temos hoje presidentes de Junta de Freguesia eleitos que podem vir a assumir uma ruptura com as oligarquias partidárias reunindo em Assembleia Nacional Constituinte.
O período da hegemonia mundial das potências europeias,
iniciado em 1500, entrou em colapso durante as chamadas “descolonizações”,
desde o Médio Oriente até à África (1955-1975), para vir a ficar aparentemente
concluído, em 1991, com a desagregação da URSS. Porém, dois anos depois, passando a vigorar o tratado de Maastricht, levantou-se a possibilidade da UE poder vir a ter capacidade para contrabalançar a hegemonia dos EUA. Os EUA tinham já deixado de
reprimir os nacionalismos europeus e podemos estar agora a assistir ao estertor
final do projecto de Maastricht.
Com o tratado de Maastricht, o “projecto Europeu” passou
a estar sob o domínio do “directório franco-alemão”, mas é possível que a
actual crise da Zona Euro, que não é apenas financeira e económica, venha a
danificar seriamente a sua coesão. O que me parece hoje claro, é que a actual
crise da Zona Euro levou o projecto de Maastricht para um abismo do qual só
muito dificilmente sairá incólume.
Com o fim do projecto de Maastricht, uma nova era mundial
pós-europeia pode vir a ter condições para despontar, mas estamos ainda em fase
de transição muito indefinida e incerta: os EUA continuam a ser a mais poderosa
potência mundial, mas sem ser omnipotente; a Rússia está a recuperar do colapso
da URSS, mas continua em busca de um lugar correspondente ao seu poderio; a
China tem vindo a emergir no seio de um sistema económico-financeiro e político
internacional que não controla; o Brasil e a Índia estão também em emergência,
mas permanecem algo indefinidos quanto à configuração de um novo equilíbrio
global de poderes.
No espaço da Eurásia, e em particular na península a que
chamam “Europa”, não é ainda claro o que vai resultar do colapso do projecto de
Maastricht.
A criação da Zona Euro surgiu na sequência lógica de
Maastricht, mas foi criada para mitigar os receios da França perante a
reunificação alemã. A ideia era a de que a França poderia beneficiar da riqueza
de uma Alemanha que não voltaria a estar em posição de ferir os interesses dos
outros Estados europeus. A Alemanha reunificou-se e, não obstante a sua
retórica em prol do “projecto Europeu”, começou a actuar como um verdadeiro
Estado, não gostando que outros falem por si e menos ainda que obtenham
vantagens à sua custa. A partir de 2008, ao começar a desenhar-se a crise das
dívidas soberanas, a Alemanha passou a utilizar a sua superior posição
económica e financeira para obter vantagens políticas no quadro institucional
da UE (através do FEEF), com claros desígnios de intrusão nas soberanias
residuais dos Estados da Zona Euro. Para os Estados periféricos, permanecer na
Zona Euro significa hoje a aceitação de uma ditadura orçamental definida
em Berlim, uma austeridade que conduz à sua asfixia económica e a posterior
venda, a preço de saldo, de participações em empresas estratégicas. Nas últimas semanas, com o agudizar das crises na Grécia e na Itália, a intrusão e a chantagem
subiram de conteúdo e de tom: os governos dos periféricos terão de ser de
tecnocratas, em “união nacional”, sob pena de uma “Europa a duas velocidades”. Arcus nimis intensus rumpitur, diziam os
latinos - o arco muito retesado quebra.
Entretanto, mesmo que o arco não venha a quebrar, a Alemanha tem estado
em claro processo de acomodação com uma Rússia que, depois da guerra na Georgia,
espreita oportunidades para a construção da “Casa Comum Europeia” anunciada por
Gorbatchov na “Perestroika”. Qualquer
que venha a ser o desfecho da presente crise da Zona Euro, é muito provável que
o eixo do poder das potências Europeias se desloque para Leste: o eixo
franco-germânico tenderá a perder terreno face ao eixo germano-russo.
A França, que queria prender a Alemanha através do Euro,
está assim hoje numa encruzilhada e tem permanecido uma incógnita, mas pode vir
a sair da esfera alemã e, apoiando-se no Grupo de Visegrado e na Espanha,
voltar-se-á para o Mediterrâneo.
A Europa está a caminhar para novos equilíbrios, havendo
dois outros Estados com capacidade para influenciar a sua balança
de poderes: a Polónia e o Reino Unido. A Polónia tem um mercado interno
suficiente para não se deixar submeter à esfera de influência alemã e vai
decerto continuar a buscar aliados no Atlântico. O Reino Unido não vai deixar
de querer manter-se como uma potência com aptidão para uma projecção global e
vai decerto contar com a “Aliança do Norte”.
Na nova configuração de poderes em emergência na Europa,
a situação de Portugal na península ibérica tenderá a tornar-se cada vez mais
periclitante. A Espanha, muito fortalecida interna e geopoliticamente pelo
restabelecimento da Instituição Real na chefia do Estado, vai continuar a ser
uma potência com capacidade para se projectar simultaneamente no Mediterrâneo e
no Atlântico: no Mediterrâneo, não deverá hostilizar a França; no Atlântico,
tenderá a explorar cada vez mais as nossas fraquezas. Após a crise, creio que a
Espanha se vai manter com capacidade para vir a integrar económica e
politicamente Portugal e mesmo para vir a concorrer com o Brasil no espaço
económico da lusofonia.
Em obediência ao projecto de Maastricht, os principais
partidos da área da governação (PS e PSD), submetidos às respectivas
internacionais partidárias, aceitaram que Portugal ficasse integrado na
periferia mediterrânica da Europa, como satélite da Espanha, se bem que numa
península ibérica ideal e integralmente submetida a Bruxelas.
Nas últimas décadas, a desatenção de sucessivos
governos à sustentabilidade do Estado português, permitindo a destruição de
parte substancial da nossa economia (agricultura e indústria) a par de um
crescente endividamento externo, conduziram-nos a uma situação de extrema
fragilidade. O Estado português está hoje, em obediência ao programa de governo
da “troika”, no caminho do suicídio.
A política e a acção dos partidos da área da governação
está a pôr em causa a sustentação do Estado português, mas a verdade é que a
fronteira com a Espanha ainda é visível nos mapas e, mais importante, continua a haver uma clara maioria de portugueses favorável à nossa autonomia e
liberdade.
Nesta conjuntura, creio que nos cumpre continuar a
mobilizar os portugueses para a defesa da autonomia do Estado português, o que
hoje significa, em termos práticos, pugnarmos pela saída de Portugal da Zona
Euro e do buraco mediterrânico a que nos destinaram.
Os realistas portugueses têm que tomar consciência de que
não haverá uma Restauração de Portugal sem que antes se realize a
restauração da República. A restauração da República é condição prévia, e a base mais segura, a partir da qual os portugueses podem vir a recolocar a Instituição Real na chefia do Estado. Tal
como escrevi em 1996 (in “Consciência Nacional”), por ocasião do baptismo do
Príncipe Afonso de Santa Maria, “a virtude de uma República restaurada será a
de esta ser capaz de se exprimir nos seus mais fundos anseios e aspirações,
escolhendo dentre si os seus representantes e pondo à cabeça a sua instituição
mais representativa — a Realeza. Só colmatando esse duplo défice de
representação — na base e no topo — se poderá fazer a restauração de Portugal.”
O edifício do Portugal Restaurado ter-se-á que levantar
começando pelos alicerces; a restauração da República é a nossa prioridade máxima.
Se os portugueses não conseguirem restaurar a república, isto é, se o povo
organizado não conseguir subtrair o controlo do Estado ao domínio absoluto das
oligarquias partidárias, o Estado português pode vir a desaparecer na voragem
dos acontecimentos, em submissão total a poderes estrangeiros.
Não excluo a hipótese de uma implosão dos partidos do
regime, mas não podemos perder de vista
que, no essencial, os partidos políticos em Portugal têm sempre olhado
primeiro para o seu próprio interesse e, só depois, muito depois, para o
interesse dos portugueses. É o que a História destes dois últimos séculos nos
ensina e que nos cumpre divulgar mais e melhor.
II
O processo de apropriação do Estado pelas oligarquias
partidárias iniciou-se na década de 1820, acabando por vencer e consolidar-se
após duas intervenções militares estrangeiras (guerras civis de 1831-34 e
1846-47). O primeiro saldo foi terrível: a perda do Brasil, milhares de mortos
e a economia nacional destroçada.
Depois de 1851, na chamada “Regeneração”, as oligarquias
dos partidos tinham já quase domínio absoluto sobre o Estado. A política dos
“melhoramentos materiais” – durante o Fontismo - , quanto à substância e quanto
aos efeitos, não foi muito diferente da política do Cavaquismo que marcou estas
últimas décadas de integração europeia. Como é que as oligarquias políticas do
período da “Regeneração” resolveram as crises financeiras da segunda metade do
século XIX? Em verdade, não as resolveram, mas aproveitaram-nas para virem a
desenvencilhar-se, em 1910, do último obstáculo ao seu domínio absoluto do Estado
- a Instituição Real.
Seguiram-se os anos de “balbúrdia sanguinolenta” da 1ª
República profetizados por Eça de Queirós, até que a “Grande Depressão” levou
as oligarquias partidárias a fundirem-se num só partido e a
institucionalizarem, na prática, uma Ditadura. O problema das finanças públicas
ficou então resolvido, mas sem libertar a sociedade civil do espartilho do
Estado.
O segundo pós-guerra ofereceu às oligarquias, reunidas
sob a protecção de um autocrata, óptimas oportunidades para negócios e
excelentes condições para o desenvolvimento da economia, mas persistiram atados
a uma visão sem futuro, acabando por desbaratar séculos de vivência ultramarina
na miragem de uma “Nação Una” de Minho a Timor. Cumpre-nos lembrar que, na
década de 50, ao recusarem o restabelecimento da Instituição Real na Chefia do
Estado, não só travaram o lançamento de uma Comunidade de Estados Lusófonos –
ideia que, em 1959, D. Duarte Nuno de Bragança, apoiou expressamente - como
colocaram os territórios ultramarinos sob administração portuguesa à mercê de antigos e insaciáveis apetites estrangeiros.
Após a derrota de Portugal na ONU, do golpe de Estado em
Lisboa e do subsequente abandono do Ultramar, as oligarquias conseguiram
firmar-se no retorno ao pluripartidarismo, agora em subserviente obediência às
centrais político-ideológicas europeias. O resultado da sua acção governativa
nas últimas décadas, ficou nestes últimos anos à vista de todos, provocando a
indignação dos portugueses, que têm vindo a deixar de votar, ou a anular o
voto, tanto nas eleições presidenciais como nas eleições parlamentares.
III
A crise de legitimidade do actual regime partidocrático é
insofismável, atingindo hoje a consciência da maioria dos portugueses. Julgo
que não podemos continuar agarrados à miragem de uma contrição dos partidos
pecadores, exigindo-se-nos a reivindicação clara de um programa de restauração
da República em bases populares.
Nos últimos anos, várias personalidades oriundas do próprio regime têm vindo a público pugnar por alterações no sistema de representação política, reclamando quer o estabelecimento de círculos uninominais quer o fim do monopólio da representação por intermédios dos partidos ideológicos.
Em abstracto, tendo apenas por base o princípio da
aproximação entre eleitos e eleitores, a reivindicação dos círculos uninominais
tem pertinência, mas não podemos perder de vista que uma representação
exclusivamente baseada em círculos uninominais, acarretaria uma diminuição do
pluralismo ideológico e, após dois séculos de tão forte centralismo estatal em
regime oligárquico, poderia vir a propiciar a disseminação de caciquismos de
base local ou regional.
Creio que nos devemos centrar na luta pelo fim do
monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, colocando-a na
obediência ao princípio da subordinação do sufrágio inorgânico ao sufrágio
orgânico. Em concreto, entendo que se deve pugnar pela subordinação da
representação dos partidos ideológicos (sufrágio inorgânico, universal, de
preferência em círculo único) a uma representação proveniente dos municípios (sufrágio
orgânico, local).
Na minha perspectiva, a República poderá vir a ser
restaurada através de um sistema bicamaral de representação, com uma Câmara
Baixa de partidos político-ideológicos e uma Câmara Alta de representação dos
municípios. A Câmara Baixa deverá ser o órgão legislativo e a Câmara Alta o
órgão referendário das leis gerais do Estado, dos programas de governo e dos
orçamentos. Em palavras simples e directas, direi que se trata de forçar os
partidos político-ideológicos a encontrarem soluções que respondam aos anseios
e às necessidades do país real representado através dos seus Municípios.
Impõe-se pôr fim a este ciclo de destruição nacional, no qual os políticos dos
partidos se têm limitado a procurar seduzir a massa ignara dos que ainda votam.
Estando ainda muito disseminada a superstição do
sufrágio, julgo que a escolha dos representantes dos Municípios para a Câmara
Alta poderá vir a ser feita por uma eleição realizada entre os presidentes de
Junta de Freguesia, mas haveria vantagem em disseminar a memória das nossas
antigas práticas de democracia concelhia, em que os pelouros de administração
eram sorteados entre os seus homens-bons. O ideal seria que a referida Câmara
Alta viesse a ser constituída por presidentes de Junta de Freguesia sorteados
nos respectivos Municípios. Os actuais presidentes de Junta de Freguesia, que
correspondem afinal aos nossos antigos homens-bons dos Concelhos, poderiam
também vir a fazer entre si o sorteio dos órgãos de administração municipal,
distrital ou regional.
Em dois séculos de História, a exclusividade do sufrágio inorgânico e o monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, já deu bastas provas de que não é capaz de servir o bem comum dos portugueses.
Em dois séculos de História, a exclusividade do sufrágio inorgânico e o monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, já deu bastas provas de que não é capaz de servir o bem comum dos portugueses.
IV
A exemplo do que tem vindo a acontecer na Grécia, a crise
da Zona Euro pode também vir a provocar em Portugal graves problemas de ordem
pública. Não é de excluir que, com o aprofundar da crise, venham a surgir
tumultos, situações de desobediência civil e mesmo acções violentas
concertadas, propiciadoras de situações insurrecionais.
Em tal ambiente, e sendo a via referendária ou plebiscitária a que tem a
maior e a mais expedita capacidade de resolução nas grandes questões do Estado,
não é de excluir que as oligarquias políticas a venham a utilizar para uma
entrega aberta ou dissimulada a centros de poder estrangeiros: os referendos
são em regra ganhos por quem detém o poder no Estado e/ou nos meios de
comunicação. Eis uma razão acrescida para insistir nas virtudes da democracia
orgânica e da representação de base municipal: no caso de um súbito agravamento
da crise nacional, temos hoje presidentes de Junta de Freguesia eleitos que
podem vir a assumir uma ruptura com as oligarquias partidárias reunindo em
Assembleia Nacional Constituinte.
Restaurada a República, isto é, libertada a República do
monopólio da representação por intermédio de partidos, confio que a nação
portuguesa, de novo senhora dos seus destinos, compreenderá e reclamará a Instituição Real para a chefia
do Estado, para assumir as supremas magistraturas da Justiça, Forças Armadas e
Diplomacia.
Com a Instituição Real na Chefia do Estado, não só asseguraremos
a nossa esplêndida fronteira com a Espanha como estaremos em condições de
lançar em sólidas bases histórico-culturais uma fecunda Confederação de Estados
Lusófonos.
11 de Novembro de 2011
José Manuel Quintas