CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Vendo o desatino que varre a capital do perdido império, facilmente se concorda com o velho ditado popular: casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. É um exercício penoso abordar a chamada grande comunicação social através dos seus meios habituais: televisão, rádio, jornais e internet. Reina a barafunda, a confusão, o diz-que-diz-que, o boato transformado em facto político, a intriga, a pequena vingança, a maledicência pura e dura, a vaidade e a mediocridade mais confrangedora. Nenhuma ideia que valha a pena agarrar e fazer crescer, salvo raras excepções. Fico sempre convencida que, para os de Lisboa, o resto do país não existe.
Com rara teimosia, em pequenos e esporádicos apontamentos, o Portugal Profundo, o País Real, aparece fugazmente depois de muito esbracejar. Receio que, nos estados maiores da política e do jornalismo oficioso, não deiam por isso. Porque esses fugazes apontamentos dizem-nos que largos milhares de famílias trabalham esforçadamente para se sustentarem e ajudarem os mais precisados, cumprem os seus deveres, não deixam parar o país e apostam no seu ressurgimento sem quererem saber de partidos nem de velhos do Restelo. Milhares de jovens bem preparados aguentam firme o desemprego e esperam, sem hinos de glória à parvoíce e à rasquice, o momento de darem o seu melhor nas empresas e escolas. E sabem que vão dar.
Recentemente, o Prós e Contras da RTP pôs um grupo de empresários frente a frente com o país todo, incluindo os cinco milhões da emigração. Mostraram-se a nós tal qual são: pessoas competentes, honestas, independentes, cultas, que dão tudo por tudo para que, através de maior produção e exportação, o país vá saíndo lentamente do buraco europeu em que está metido. Estão a conseguir, porque apostam forte na modernização, na ligação íntima entre a empresa e a universidade (ou a escola de modo geral), na formação profissional, no trabalho árduo e na esperança que não morre. Tenho a certeza que todos eles terão, algumas vezes, críticas a fazer ao governo, mas não duvido, depois de os ter visto e ouvido, que as farão entre pares, de modo discreto e construtivo, tendo em vista a delicada situação do país e as garras afiadas do circuito financeiro internacional. São educados, têm civismo, não são merceeiros da República com a sua avidez e má criação.
Foi uma lufada de ar fresco essa noite. Aqueles senhores trabalham no País Real, entendem-no, e vice-versa. Pena é que apareçam tão pouco. A televisão devia trazê-los ao povo mais vezes, porque são um bom exemplo e um grande motivo de esperança.