Carta do Canadá
Por Fernanda Leitão
Ao menos uma vez na vida, há uma hora em que cada um de nós dá consigo a pensar no que podia ter sido e não foi. É como estou, trinta e sete anos depois da revolução feita por militares e no termo da mais lamentável campanha eleitoral para as presidenciais de que tenho memória.
Em 1974, o Movimento das Forças Armadas depôs a ditadura e apresentou o seu programa: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver. Todos quantos sofreram 48 anos de falta de liberdade e de respeito pelos Direitos Humanos, acharam que era um programa bom e possível.
Tudo se estragou, porém, com a chegada de líderes partidários vindos do estrangeiro, esfaimados de poder e pressionados por interesses internacionais que hoje se conhecem. À medida que cresciam os interesses partidários, Portugal sumia-se na balbúrdia. E no entanto, tinha sido um acto de bom senso, humildade e amor à Pátria, ter dito a verdade ao povo: Liberdade já temos e agora, devagar, vamos construír a Democracia; temos de ser prudentes com a Descolonização, para evitar guerras, mas ainda assim temos de prever que muitas pessoas quererão regressar a Portugal, e é precido dar-lhes habitação e trabalho; por tudo isso, e porque o país está muito atrasado (e aqui apontavam-se as falhas todas), o Desenvolvimento é a prioridade. Temos de dar prioridade à Educação, com destaque para o ensino profissional, à Agricultura, Florestas, Pecuária e Pescas, tornando-as modernas e adaptadas à nossa realidade. Temos de fazer indústrias transformadoras. Teríamos de explicar que uma Reforma Agrária não se faz por decreto, de uma hora para a outra, leva anos a concretizar.
Se tivesse sido assim orientada a revolução, teríamos condições para povoar o interior do país, desfalcado pela emigração, teríamos criado milhares de postos de trabalho, evitaríamos o encerramento de tantas empresas que os comunistas destruíram à força de saneamentos, julgamentos selvagens, plenários a toda a hora. Os nossos investigadores científicos teriam excelentes condições de trabalho. Pela própria dinâmica desencadeada, a Justiça seria expurgada da tara salazarista e os partidos comunistas seriam obrigados a acertar o passo com o país. E quando chegasse o momento de negociarmos com a União Europeia, poderíamos fazê-lo de igual para igual e não de chapéu na mão à espera de milhões para derreter em estradas
a mais, betão a mais, máquina de estado mais pesada, fundos comunitários que desapareceram em bolsos fundos no que foi o princípio da grande corrupção.
Podia ter sido assim, mas não foi. Estamos hoje todos a pagar o preço da vaidade, da irresponsabilidade, da incompetência e até da ignorância. O alto preço do egoísmo dos que pôem os interesses pessoais e partidários acima da Pátria. Até desaguarmos neste lavadouro público em que políticos se acham acima do país e do povo que os sustenta, achando que discursos de auto-elogio e de ameaça chegam para desmentir factos.
Portugal está numa situação embrulhada, graças a esta gente que temos de aturar há trinta e sete anos. Portugal, agora que o somatório de certas candidaturas, a juntar aos 53,3 por cento de abstenção e aos 4,25 de boletins de voto nulos, tem hoje uma grande maioria que se opõe ao que aí está. É preciso que essa maioria tenha liderança e comunicação social sem trela nem açaime dos donos.
É bom lembrar que há centenas de jovens, na força da vida, a trabalhar bem em várias áreas do saber, muitos deles já com prestígio internacional, e muitos outros que, de forma voluntária e generosa, são verdadeiros anjos da guarda dos que o regime atirou para a valeta.
Por tudo isto, tenho esperança. Apesar de tudo e contra tudo.
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