CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Nos países de raiz cristã fomos educados a celebrar o Natal como uma grande festa de memória milenar – a da vinda ao mundo do Messias, longamente esperado e desejado pela humanidade sofredora. E porque Jesus nasceu numa família pobre e num estábulo de acaso, porto de abrigo num mar de rejeição mercantil e egoísta, foi-nos ensinada a caridade em relação aos deserdados e a necessidade da Família como padrão social. Para nós outros, o Natal é a festa da família e o tempo de sermos bons. Chamou-se a esta conjugação festiva o espírito do Natal.
Parecia termos encontrado a fórmula da paz de espírito. Mas a inquietação subia em nós e as perguntas flagelavam a beatitude passiva em que nos puseram. Festa da família... Mas só da nossa? Porque não cabem na nossa mesa aqueles que Cristo garantiu serem nossos irmãos, os sem casa, os refugiados, os sem família directa, os desempregados, os que nos servem? Porque gastamos grandes somas em presentes para os nossos familiares e não nos sobra dinheiro para dar agasalhos e comida aos que nada têm? Decoramos as nossas ruas, casas, mesas, e nada fazemos pelos que não têm nada? Países novos-ricos exibem gigantescas árvores de Natal, caríssimas e de consumo energético avassalador, e nós não perguntamos porque é que esse dinheiro não é utilizado numa celebração de Natal alargada aos que caíram no poço da carência? Jesus procurava os pobres, comia com eles, conversava com eles, de irmão para irmão, cheio de amor. Que Natal é o nosso, em nome de Cristo, se tanto o esquecemos, se não seguimos a regra de vida que ele nos deixou em herança? Que espírito do Natal é o nosso? Que mundo é este, tão feio, que construímos ao arrepio do Bem?
Se vivemos no estrangeiro, em países de religiões várias e de sistemas políticos conciliatórios, porque nos calamos perante a invasão do “politicamente correcto”, essa que quase exige que não se pronunciem as palavras Natal, Jesus e Maria, não vão os muçulmanos, os judeus, os hindus e os budistas franzir o sobrolho? Não é nosso dever celebrar os nossos valores religiosos sem constrangimento nem medo, com o sereno orgulho de quem é legítimo herdeiro do Messias? Mas fazemo-lo com coerência ou damos o flanco da contradição aos que nos pretendem anular? E, por acréscimo, frequentamos as celebrações dos nossos amigos de outras religiões com alegria, compreensão e respeito? Sentamo-los à nossa mesa de Natal, não como irmãos desavindos, mas como irmãos que vão a Deus por outros caminhos?
Estas são algumas perguntas do meu espírito de Natal. Praza a Deus, leitor, que na noite santa as respostas desçam sobre a sua alma como um grande paz.
Santo Natal e muito feliz 2010!
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