CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Recentemente, o secretário de estado das Comunidades, António Braga, confirmou publicamente que o ensino da língua portuguesa no estrangeiro deixa de ser tutelado pelo Ministério da Educação e passa a sê-lo pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, através do Instituto Camões. Esta decisão governamental, sem a consulta ampla e prévia que se impunha, pela importância do assunto e porque Portugal vive em democracia (embora às vezes não pareça), torna legítimas as muitas dúvidas que inundam as comunidades emigrantes, as perguntas que gostariam de ver respondidas para que o seu cepticismo não se torne irreparável, causticadas que estão de serem, apenas e só, fornecedoras de divisas e de votos. Penso que é tempo de abrirmos, também em público, a gaveta das dúvidas.
O ensino da língua portuguesa no estrangeiro tem duas vertentes claramente separadas: o ensino aos filhos dos emigrantes portugueses (com o ouvido habituado à língua portuguesa em casa e aprendendo as primeiras letras no país de acolhimento)e o ensino aos cidadãos estrangeiros que pretendem conhecer a língua de Camões (por vocação académica, por gosto cultural, por necessidades profissionais, etc). Neste último caso, compreende-se que a dependência seja do Insituto Camões, teoricamente dirigido ao ensino universitário e às demandas culturais dos cidadãos dos outros países. Mas, no que respeita ao ensino do português básico, para crianças de ascendência lusa, é óbvio que tudo devia ser tutelado pelo Ministério da Educação, porque é este ministério quem emprega os professores, treinados para o serem, ao passo que o Instituto Camões se limita a mandar leitores de português para universidades estrangeiras, geralmente jovens licenciados por universidades portuguesas, que não raro são criticados nos jornais estudantis).
Aqui, e no que toca ao terreno que conheço, o Canadá, perfilam-se de imediato algumas dúvidas. O Instituto Camões paga os honorários dos leitores, admitidos por concursos (muito comentados com azedume por se considerarem balcões de amiguismo, cunhas e compadrio). Os leitores exercem as suas funções no departamento de línguas internacionais ou em departamentos onde a língua portuguesa vive o quotidiano com a língua espanhola). É o caso da Universidade de Toronto, a funcionar há mais de 50 anos e que nunca formou um único aluno em português para poder exercer a profissão em condições, acrescendo que dali têm saído muitos alunos com um português a nivelar-se pelo bem pobre, o que incomoda quem ouve membros do xadrez político canadiano a exprimirem-se quando se dirigem a portugueses, e que por certo incomoda também quem assim fala e faz tão triste figura. As universidades cobram propinas aos alunos que frequentam as classes de português. Temos, pois, que universidades canadianas, graças ao Instituto Camões, dispõem de leitores pagos por Portugal e ainda recebem as propinas dos estudantes que pretendem aprender a nossa língua. É um bom negócio. Mas tem permitido mais: que, em determinados concursos, “apareça” a instrutora de língua portuguesa, contratada e paga pela Universidade de Toronto, portanto completamente alheia ao aparelho estadual português, para manifestar se gosta ou não do candidato ou da candidata. Há casos, há testemunhos. Quanto aos leitores, aqui no terreno, são vigiados, com açaime e trela curta, pela mesma instrutora, que não permite autonomias nem opiniões divergentes. Marcação tão cerrada que, exceptuando poucos casos de pessoas acomodadas à bandalheira, os não acomodados sofreram perseguições e vexames de toda a ordem. Houve mesmo uma leitora que caíu numa depressão tal que teve de regressar a Portugal para se poder tratar.
No que ao ensino a crianças de famílias lusas, ainda no que ao Canadá se refere, nunca Portugal enviou para estas paragens professores pagos e contratados, como mandou para a Europa. O ensino é ministrado por escolas particulares e, também, por escolas canadianas ao abrigo do Heritage Program (um dos meios de afirmação do multiculturalismo). Este último divide-se em dois sectores: o Ensino Público e o Ensino Católico. Num e noutro dão aulas de português, muito poucas semanalmente, portugueses que se sentem habilitados para o fazer, o que nem sempre significa que o estejam. Houve, no Ensino Católico, uns directores portugueses que deixaram fama no modo como recrutavam professores, tal era o primarismo utilizado, e esse ensino passou por maus bocados porque sempre é verdade que não se podem enganar todos durante todo o tempo. Neste terreno, que é pago pelo Canadá, a única acção que Portugal pode tomar (deve tomar), em termos de diálogo construtivo com as autoridades escolares canadianas, é a abordagem feita pelo coordenador ou pelos diplomatas em representação do estado português. É de justiça apontar que, neste campo, muito tem feito a actual coordenadora, que é uma pessoa conhecida e respeitada no lado canadiano.
Quanto às escolas privadas, é toda uma novela. Em geral, um português com algum dinheiro recruta 2 ou 3 professores (muitos deles não o são, têm outras profissões, mas porque sabem um bocado mais de português, são candidatos a estas escolas). Depois, aluga salas numa escola canadiana, ou num clube português, vai ao consulado registar a escola e pedir o seu reconhecimento pelo Ministério da Educação. Actualmente, mais concretamente de 1997 para cá, o reconhecimento obedece a regras emanadas da tutela que a coordenadora faz cumprir (antes disso, o reconhecimento era feito à trouxe-mouxe, no consulado, com muito compadrio pelo meio, e só assim se compreende que tenham sido autorizadas escolas que mais parecem a sala da Ti Faustina, nos anos 50, nas funduras do interior). Cada aluno paga um tanto por mês e é com essa receita que o director da escola paga aos professores, o aluguer das salas e o mais que é de regra. De Portugal não vem dinheiro, vêm livros de vez em quando, e também vêm políticos portugueses que dão beijinhos e prometem este mundo e o outro. De há anos para cá, o governo português conta os tempos de serviço destes professores para efeito de reforma (claro, tem havido tentativas de golpada por parte de uns paraquedistas) e proporciona cursos de reciclagem de vez em quando. Estas escolas são, em geral, muito activas no tecido social comunitário, participando em exposições, paradas e outros acontecimentos. Há escolas destas um pouco por todo o Canadá, um país que vai do Atlântico ao Pacífico. Essas escolas têm sido visitadas anualmente e estão sempre acompanhadas on line, por telefone ou fax. Tem havido nelas verdadeiros missionários da língua portuguesa, autênticos mártires que deram vida e saúde por este sonho de não se perder a língua portuguesa (alguns deles, trabalhando para directores desonestos, nem os tempos de serviço contados correctamente tiveram), gente lusa de espinha direita que se sacrificou pela Pátria de todos nós. Mas tem havido também uma escória mercenária que, pasmem, tem cunhas em Lisboa e ameaça com isso...
Parece-nos evidente que, apesar de todos os pesares causados pelo Ministério da Educação, é a este que compete o ensino básico ministrado no estrangeiro. Pois se o Ministério dos Negócios Estrangeiros não tem sabido fazer do Instituto Camões uma instituição irrepreensível, como quer fazer-nos acreditar que vai saber dirigir o ensino da língua pátria às crianças de famílias lusas? Não se estará a pôr o carro à frente dos bois? Não teriam de limpar, primeiro, o Instituto Camões e só depois tomar decisões de fundo? Não teriam, primeiro, de obrigar o Ministério da Educação a cumprir os seus deveres com as escolas, e quem as serve, no estrangeiro? Não receiam os frutos desta decisão dentro de poucos anos?
Deviam recear.
2 comentários:
Excelente e muito oportuno.
Quando se trata de defender os apoios financeiros do Estado ao futebol português, como aconteceu aquando da construção de vários estádios de futebol para o Euro 2004 – alguns deles para estarem às moscas, como acontece no Algarve...– os agentes desportivos do futebol lusitano costumam enumerar uma série de argumentos que justifiquem essas verbas retiradas dos impostos dos contribuintes. Um desses argumentos tem a ver com a força do futebol como “embaixador” de Portugal e da “portugalidade” no mundo, nomeadamente como veículo da língua portuguesa e também da nossa cultura. É uma tese respeitável e que tem sentido. Aliás, em muitos cantos do planeta, mesmo nos mais improváveis, podem não saber onde é Portugal ou o que é Portugal, mas sabem quem é Luís Figo, Eusébio, Cristiano Ronaldo e José Mourinho, ou sabem que existem clubes de futebol como o Sporting, o Benfica ou o FC Porto, etc.. Independentemente da força planetária destes nomes ou destes clubes, Portugal é vice-campeão europeu e foi quarto classificado no último mundial, estando no lote dos melhores no “ranking” da FIFA. Pois bem, ao entrarmos no sítio da FIFA na Internet, o que encontramos? Encontramos uma página que pode ser lida em Inglês, em Alemão, em Francês e em Espanhol. A Língua Portuguesa, que é mais falada que o Alemão e que o Francês, passa ao lado da FIFA. E é preciso lembrar que a FIFA tem filiados em três continentes cuja língua oficial é o português. Mais ainda: o Brasil, que é o país do mundo com mais títulos mundiais conquistados, também tem o português como língua oficial. O problema é que os senhores que mandam nas federações de países de língua oficial portuguesa estão a marimbar-se para a língua e para a cultura de cada país. Por isso, está na hora de o senhor presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Gilberto Madaíl, exigir, junto da FIFA, que a Língua Portuguesa seja tratada como deve ser pelos velhos senhores da FIFA...
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