António da Cunha Duarte Justo(*)
A situação escolar em Portugal é catastrófica. Isto é confirmado a nível internacional pelo Estudo-PISA da OCDE e pelos últimos dados estatísticos fornecidos pelo Ministério da Educação (GLASE) sobre o insucesso escolar em Portugal nos últimos nove anos.
Os resultados do Teste PISA que compara o rendimento escolar dos alunos em 40 países tem sido sucessivamente um testemunho, a alto nível, da ineficiência do nosso sistema escolar. Portugal ocupa na lista das nações estudadas um lugar baixíssimo. Dos 40 países investigados, os alunos portugueses encontram-se no 30° lugar em Matemática, 28° em Leitura e 32° em Ciências Naturais.
Dos valores apresentados pelo ME (GLASE) relativos ao período que vaí de 1994 a 2003, a situação é gritante. Torna-se mais evidente atendendo aos destinos individuais não referidos. Assim, em 2003, do milhão e meio de estudantes do ensino básico e secundário que frequentavam as escolas portuguesas, 280.000 alunos reprovavam. A percentagem de retenção escolar no ensino básico até ao 9° ano foi constante (13%) nos 9 anos estudados.
A taxa de retenção e de desistência no ensino secundário (10.° ao 12.°) ainda foi maior, verificando-se uma média de 34,33 % relativa ao período de referência. Um em cada três alunos chumba. Em 2003 mesmo 43,5 % dos alunos do 12° não faziam todas as disciplinas, culminando o ensino tecnológico com 53,6 por cento de chumbos.
Uma Nação em agonia e ninguém se interessa
Uma catátrofe a nível individual e nacional se atendermos aos destinos individuais e aos prejuízos económicos nacionais aderentes à situação. Para quem sabe ler, isto significa um atestado de incompetência a todo o sistema escolar a nível de estruturas e de recursos humanos. Uma hipoteca para o futuro num país que irresponsavelmente tem vivido para inglês ver. Onde está a voz dos intelectuais, dos políticos e dos jornalistas? Que preparação levam os alunos para um mundo em mudança, cada vez mais competitivo e global? Que sociedade resultará de uma elite portuguesa medíocre?
No estudo nota-se um desaferimento crasso na passagem de um ciclo para o outro: se no fim do 1° ciclo do Ensino Básico (4° ano) chumbam 8,4 %, no 5° ano chumbam 14,9%; no 6° ano, fim do 2° ciclo, chumbam 14,6% e no 7°ano, início do terceiro ciclo do Ensino Básico, chumbam 24,4%; se no 9° ano ficam retidos 15%, no início do Ensino Secundário, no 10° ano, chumbam 34,8%. O que ressalta com evidência destas percentagens é a falta de aferimento e de díálogo entre as escolas (ou ciclos) que passam os seus alunos de um estabelecimento ou de um ciclo para o outro. A mão esquerda não sabe o que faz a direita.
O conjunto dos dados, tanto da Administração Portuguesa, como da organização internacional responsável por PISA, apontam para uma conclusão, ou melhor, para um diagnóstico: existe uma administração deficiente que se limita a administrar a miséria; sindicatos apenas interessados em defender os interesses pontuais dos docentes; uma classe política irresponsável e adormecida, desinteressada do futuro dos educandos e da nação.
De Crise em Crise : Tal Escola, Tal Nação
Urgência duma Comunidade Educativa
Um dos grandes males das sociedades modernas é a falta de disciplina e de conceitos concludentes. Se este é um problema internacional a questão em Portugal eleva-se à terceira potência. Vai sendo tempo de despertar, investindo na nossa identidade e deixando de olhar para os outros como exemplo, tal como faziamos nos séculos preparatórios da nacionalidade e dos descobrimentos. Para voltarmos a dar novos mundos ao mundo temos que nos deixar de estrangeirismos, tornando-nos mais portugueses, mais universais. A salvação não vem de fora nem de ladainhas muitas vezes repetidas por ideologias de segunda mão. Apostemos nas raízes da nossa cultura e na tradição que nos tornou grandes.
Um novo Perfil de Professor – Cada Escola com um Perfil próprio
Na nação como na escola não chegarão professores empenhados na sua disciplina, mas professores pessoalmente empenhados numa relação pessoal professor-aluno, numa relação pessoal de comunidades: comunidade docente e comunidade discente; não chega o diálogo é preciso relação e comunhão íntima. Na relação de um eu-tu consciente de que o próprio eu nasce de um tu.
Urge que a escola deixe de ser um sumatório de indivíduos, uma massa amorfa de pastores e ovelhas não identificados e desmotivados. A comunidade nasce de pessoas capazes de assumir responsabilidades e exercita-se na responsabilidade comunitária escolar em serviço mútuo, na autoconsciência e na capacidade de poder adiar a satisfação imediata. A comunidade escolar terá que se preocupar com a terceira coluna: a comunidade dos pais, a terceira coluna da comunidade educativa. A escola precisa de ideias claras e valores assentes; menos dever e mais ser. Todos os intervenientes terão que trabalhar na elaboração de um conceito de educação consensual à margem de partidarismos e de ideologias; neste sentido não se poderão culpar individualmente os pais pelos diferentes hábitos e sistemas educativos, atendendo a que partidos e ciência os tem considerado cobaias e presas. Cada escola precisa de menos regulamentação e de um perfil que a distinga das outras, com um sentimento de pertença, uma identidade própria, em que alunos e professores falem da sua escola de modo semelhante ao daqueles que falam do seu grupo de futebol ou do seu grupo de música. A falta de perfil das escolas é uma consequência de responsabilidades delegadas e deve-se tanto à rotina como a ideologias da moda assim como a um experimentalismo leviano, tudo isto baseado no abdicar da própria identidade.
Nesta Europa desorientada e confusa e em Portugal não há um consenso político nem científico de como educar, tornando-se a escola presa fácil de ideologias partidárias ou de experimentalismos precoces. Há muito que Portugal se encontra num processo de tranformação de valores em que, em nome de uma liberdade que não existe, se negam rituais, disciplina, ordem, educação... Parece querer-se um campo pedagógico frágil. É também fatal um espírito modernista mal entendido contra elites. Precisa-se uma nova educação: educar para elites responsáveis e não para craques ou afortunados que se alistam numa ou noutra organização, seja ela partidária, maçónica, futebolística ou religiosa; não chega uma elite de postos. Em pedagogia não há nada de novo que já não fosse expresso num ou noutro método já velho. As ciências da pedagogia e da psicologia necessitam de independência, deixando de estar ao serviço de ideologias ou modas. A escola tem qu se tornar num centro de vida e de interesses comprometedores em que a palavra relação seja honrada. O docente, mais do que um cientista, é um educador. A sua formação tem de ser mais completa e a sua escolha tem que obedecer a critérios mais rigorosos. O critério de funcionário público tornou-se anacrónico numa sociedade moderna e democrática. Não deveria ser prioritária a motivação pela segurança do funcionário público. A este sistema público estão inerentes vícios de classe acrescentados dos vícios próprios da administração que se inclina a conservar.
Saber, juventude, e um pouco de ingenuidade e de didática, não são suficientes para se formarem homens e mulheres conscientes e responsáveis na realização de um sonho e de uma realidade pessoal e nacional... Não se trata apenas de transmitir saber e de avaliar o aluno. Este tem que descobrir-se como consciência num processo de crescimento sem fim. Mais que nas classificações, o padrão de avaliação e de medição da actividade de professor/aluno deve verificar-se no desenvolvimento da personalidade e das competências específicas de cada aluno, à sua medida e da comunidade.
Rigor não exclui solicitude e encorajamento. Mais relação e respeito e menos medo e hierarquia. Um projecto consciente exige mais dos professores e dos alunos. A disciplina é a base de uma liberdade responsável.
O sentido da personalidade, o respeito mútuo, e a consciência de nos encontrarmos a caminho duma transcendência que supera a nação, são, entre outros valores cristãos, meios avalizados e provados ao longo da nossa história e que podem e devem tornar-se objecto de estudo análise e aplicação.
Um cultura iconoclasta que apenas substitui os seus santos de igreja pelos santos ou corifeus da ideologia, da literatura, da cultura ou da política, não passa de uma cultura de beatas, que se engana a si própria: imagens de imagens; e os seus corifeus: cegos guiando outros cegos...
Professores, políticos, jornalistas, já vai sendo tempo de deixarmos de jogar às escondidas com o povo e com a nação. Até quando teremos de continuar a ser um povo de fugida?...
* Professor de Língua e Cultura Portuguesas na Alemanha
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