segunda-feira, fevereiro 09, 2009

A enxerga podre

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão



Guerra Junqueiro nunca foi um poeta na minha mesa de cabeceira nem é figura pública que me seja simpática depois de ter sabido que, estando em Madrid por ocasião do assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe pelos republicanos, teve o mau gosto de lamentar estar longe e não poder beijar a mão dos criminosos. Mas pouco depois, desiludido com aquilo a que Eça de Queiroz chamou a “balbúrdia sanguinolenta da República”, escreveu pelo seu punho que toda a movimentação frenética de partidos, governos e maçonaria, estando o país em estado lastimoso, lhe parecia “uma enxerga podre cheia de percevejos”. Hoje acho apropriado lembrá-lo.
E acho porque, com a internet e a RTP-Internacional, posso, com mais cerca de cinco milhões de portugueses expatriados, ver e ouvir o que vai pela Pátria. Ao que acrescento os jornais que recebo, e outros portugueses receberão, assim como os telefonemas de amigos. Estamos todos cientes. E fartos. Tão fartos que, em relação à programação televisiva, já não estou sózinha a abençoar o remote control que nos permite cortar o pio aos jovens carreiristas de hoje, dignos herdeiros dos lacaios das internacionais de ontem, quando matraqueiam ameaças, arrotam chicanas, bolsam ignorâncias primárias, papagueiam calúnias e intrigas, rebolando-se na enxerga podre a que reduziram Portugal, sem o menor rebuço ou remorso pois só conhecem o seu próprio umbigo, só defendem o seu lugar à mesa do orçamento que o povo, aflito, sustenta. Não os oiço e vejo sem que me lembre de Almada-Negreiros, quando em poema se referiu aos políticos: “maquereaux da Pátria que vos pariu ingénuos / e vos amortalha infames”.
O que mais dói neste estado de coisas é o absoluto desamor dessa gentinha por Portugal, o mal que essa gentinha tem feito, e faz, a Portugal, o egoísmo que todos eles mostram pelos compatriotas que sofrem o desemprego, a casa a caír, as dívidas para pagar, os medicamentos que não se podem comprar, os filhos que hão-de ficar com as asas cortadas por não terem meios para continuarem os estudos, e até a fome que já atinge uma substancial faixa da sociedade portuguesa. E poderiam muitos deles compreender se nunca trabalharam, se nunca tiveram de mostrar mérito e empenhamento, já que devem tudo à política? Se lhes falhar a carreira política, ficam sem emprego e sem préstimo. Será por sabê-lo que muitos entram na corrupção, no salve-se quem puder. Problemas deles, que se danem.
Portugal é que não merece o que se passou nos últimos cem anos, às mãos de vilões da política que lhe deram uma ditadura e dois arremedos de democracia, cujo balanço se afigura criminoso.
Que os comunistas desejem um regresso à ditadura, porque só na ditadura o comunismo medra, qual bacilo malfazejo, ainda posso compreender (e, de resto, Álvaro Barreirinhas Cunhal disse-o claramente à jornalista Oriana Fallaci, em 1975). Mas já me causa perturbação ver que, sem coração nem inteligência, sem vergonha nem senso, os outros partidos trabalhem no mesmo sentido. Se o povo português, por resistência activa ou passiva, não puser cobro a isto, se não deitar fogo à enxerga e matar os piolhos que a infestam, então poderemos dizer que tem o que merece.

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