sexta-feira, março 26, 2010

O Elefante que veio de Cabo Verde

Instituto da Democracia Portuguesa

NOTA SOBRE A CONJUNTURA - 17 de Março de 2010


“O Elefante que veio de Cabo Verde”

O colapso da Lehman Brothers, em 15 de Setembro de 2008, foi a maior falência da história dos E.U.A. Ficou gravado na memória do mundo financeiro e desencadeou uma devastadora crise financeira, causando pânico nos mercados de capital, acelerando a Grande Crise e provocando um congelamento no comércio global, que levou a pacotes de resgate de triliões de dólares pelos governos em todo o mundo. Em Portugal as consequências não foram diferentes devido à utilização das mesmas práticas de alavancagem a nível nacional por vários operadores financeiros, com destaque para o BPN e BPP.

O relatório de 2.200 páginas (em nove volumes) de Anton Valuka (advogado em Chicago), saído em Março de 2010, veio revelar as falhas de gestão e a cultura económica irresponsável seguida pela Lehman Brothers. O exame revela "provas credíveis" de que os executivos de topo, incluindo o CEO, aprovaram declarações enganosas e truques contabilísticos para esconder a verdade dos investidores e do público. Ainda mais grave, o relatório levanta sérias questões sobre o comportamento dos auditores e reguladores, que não protegeram o público.

As operações de reporte e a alavancagem financeira estão fatalmente associadas. A primeira é um acordo de compra associado a um empréstimo onde o credor cede capital em troca de um contrato sobre um activo do devedor, de maturidade curta e onde o comprador futuro é o próprio devedor. A segunda é uma medida da utilização de recursos de terceiros para aumentar as receitas do operador. Por outras palavras, os bancos usam activos que não estão inscritos nos seus balanços para aumentar lucros e muitas vezes ocultar prejuízos e maus desempenhos e, não poucas vezes, utilizam esses activos para aceder ao mercado de crédito e apresentar receitas fictícias que mais não são que empréstimos sobre um activo associadas a uma taxa de juro. O mesmo sucederia se uma pessoa numa casa de penhores penhorasse bens que não são os seus para demonstrar receitas fictícias e aumentar a confiança dos seus pares sobre a sua gestão eficaz. Este tipo de operações foi a causa mais evidente que precedeu o colapso financeiro de 2008.

Em Portugal, o caso da SLN (em particular do BPN) atingiu os escaparates em Outubro de 2008, quando o presidente do Banco (ex-ministro das Finanças e também ex-administrador do Millennium BCP, Miguel Cadilhe) alertou para várias irregularidades e um notório problema de liquidez. A sua declaração veio na sequência da Crise e da investigação no âmbito da "Operação Furacão" que teria o seu ponto alto com a detenção do antigo presidente, Oliveira e Costa, em 21 de Novembro. Considerado um dos maiores escândalos financeiros de sempre em Portugal, o banco, que se notabilizava no mercado financeiro luso por oferecer produtos de elevada rentabilidade, reaparece como produto de uma complexa teia de interesses e ligações do banco e dos seus principais responsáveis a sociedades off-shore.

O caso ganharia dimensões operacionais semelhantes ao da Lehman Brothers, quando se descobrem operações sobre empresas que não pertenceriam à SLN. É o caso da venda da Sabrico, empresa brasileira que recebeu verbas do Banco Insular visando deturpar os indicadores do grupo, à EREI, que era detida em partes iguais pela Fiduciary Nominees e pela Fiduciary Trust, de Gibraltar, donos também da Insular Holdings que controla o Banco Insular de Cabo Verde. Era este o “elefante de Cabo Verde”. Uma transacção de 5,7 milhões de euros que, a par de outros "casos", como o da Ergi (outra empresa brasileira) detida em apenas 20% pelo BPN, acabaria por se revelar como propriedade do banco através da Swiss Finance (que deteria os restantes 80%), outra offshore controlada pelo BPN fora dos balanços do banco, tal como os 129,5 milhões dos 135 milhões de euros que efectivaram a venda e que foram recebidos pelo BPN. Neste caso aparece mais uma vez o Banco insular de Cabo Verde, outra offshore detida pelo banco e fora dos balanços.

O relatório norte-americano pode ter profundas implicações para os ex-executivos da Lehman Brothers, incluindo o seu ex-chefe, Dick Fuld, e seus auditores da Ernst & Young. Também lança uma luz desfavorável sobre práticas de Wall Street, que querem maximizar os lucros e esconder perdas e fazem engenharia contabilística. O contágio tem sido a marca principal da actual Grande Crise. À luz do relatório do Lehman, a questão é saber se existe uma forma de garantir que a banca de investimentos voláteis e de CDS’s não prejudiquem a estabilidade futura da banca comercial e da intermediação financeira, que é fundamental para a actividade económica real.

Ainda estamos à espera de uma reavaliação fundamental dos modelos de bancos com actividades sofisticadas desorçamentadas e que escondem a verdade. Como os bancos realmente actuam e as acrobacias que fazem para competir entre si, tornou-se uma realidade opaca para os investidores e outros interessados. É necessária uma restrição para impedir manobras contabilísticas de alavancagem como as de Lehman Brothers ou, em Portugal, do BPN. Os estadistas ainda não despertaram para o síndrome do "elefante" demasiado grande para falir que causa estragos nas economias nacionais.

O relatório post-mortem enfatiza a necessidade de regras de contabilização dos balanços dos bancos que sejam comparáveis transparentes, mas também suporta a imposição de ratios de alavancagem por forma a providenciar uma restrição sobre o capital comum - que a avaliação de risco do BIS tem sido incapaz de fazer - e sugere a urgência da eliminação de actividades pouco transparentes no OBS (off-balance sheets) que possam ocultar a verdadeira dimensão da alavancagem. Estas reformas são essenciais para lidar com o risco de contágio de incumprimento.
O relatório post-mortem norte americano enfatiza a necessidade de regras de contabilização dos balanços dos bancos que sejam comparáveis transparentes e sugere a imposição de ratios de alavancagem por forma a providenciar uma restrição sobre o Capital comum - que a avaliação de risco do BIS tem sido incapaz de fazer; sugere ainda a urgência da eliminação de actividades pouco transparentes no OBS (off-balance sheets) que possam ocultar a verdadeira dimensão da alavancagem. Estas reformas são essenciais para lidar com o risco de contágio de incumprimento, devido aos "elefantes bêbedos”, as empresas demasiado grandes para falir".

Em Portugal a "pegada do elefante" ainda não foi medida e faltam relatórios como o de Valuka para o caso norte-americano. Os responsáveis pelo acompanhamento das práticas financeiras (Banco de Portugal) têm de ter a postura necessária para evitar "elefantes bebêdos". Para que a economia sobreviva ao dia seguinte à “festa” dos mercados financeiros, novas medidas serão necessárias.

Instituto da Democracia Portuguesa

quarta-feira, março 17, 2010

À antiga e à bruta

CARTA DO CANADÁ

Fernanda Leitão

Ao ver e ouvir Fernando Costa, presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, durante a transmissão dos trabalhos do Congresso do PSD pela RTP, não pude deixar de me lembrar duns mocetões, ribatejanos e alentejanos, que foram meus companheiros de estudos no Colégio de Nun´ Álvares, em Tomar. Eram encorpados e tesos, pegavam toiros, jogavam futebol, tinham bom murro e ficavam fulos se alguém lhes oferecia um copo de leite. Fossem lá chamar maricas a outros. Tirando isso eram uns corações de manteiga.Homens de cara direita e de palavra, amigos do seu amigo, leais até depois de Almeida. Homens da província com fundas raízes no meio rural. Trigo sem mistura. Vinho de boa cepa.

O que, tal acomo aconteceu com o discurso de Fernando Costa, é sempre apelidado de “caricato” por uns intelecto-altos que vivem de aparências, medos e cálculos. A propósito, vou transcrever um pedacinho de uma carta de Eça de Queiroz a Jaime Batalha Reis, era então o autor de “Os Maias” director de um jornal regional, em Évora: "Nós, os da Capital, rimo-nos da vida pequena da província; mas, no entanto, na província há uma serenidade, uma franqueza, uma verdade de sentir, um desassombro dos espíritos que é doce. Diz-se que a vida da província é de intriga, de interesses imperceptíveis: mas sabe-se porventura a pequenês dos interesses de Lisboa, o acanhamento da vida, a restrição dos sentimentos?”

Naquele congresso, inesquecível por más razões, o autarca das Caldas foi franco, directo, desassombrado e verdadeiro, mas sempre sereno. Não foi grosseiro nem insultuoso como um barão daquele pátio costuma ser quando não lhe dão o dinheiro que quer ou lhe descobrem compadrios e incompetências. Fernando Costa foi, ali, a autenticidade do Portugal Profundo, do País Real. Disse o que havia a dizer na cara de quem merecia ouvir, ali, frente a frente. Virou a mesa, destapou o jogo. Foi duro? Foi bruto? Tinha de ser porque estava a dirigir-se a pessoas que se julgam impunes e fartamente têm abusado da boa fé do povo. Quando assim é, há que ser bruto, porque só assim os abusadores ouvem e percebem. Há momentos na vida dum país em que se impõe esta dureza.

Não o digo por teoria, sei do que falo. Há muitos anos, num momento de Pátria aflita, tive de fazer o mesmo aos lacaios de Moscovo e Pequim, aos vira-casacas que assinavam de cruz por causa dos negócios. Numa noite, em pleno PREC, estava Sá Carneiro em Londres, entre a vida e a morte, uma reunião do conselho de ministros, no VI Governo Provisório, deu em peixeirada. O primeiro ministro de então, almirante Pinheiro de Azevedo, arredou a sua cadeira para trás, demarcou-se do granel e pôs-se a ler jornais. Quando leu o Templário, deu uma palmada atroadora na borda da cadeira e berrou: “Desta é que eu gosto! É uma besta como eu!”. Foi-me isto contado mais tarde pelo seu chefe de gabinete, um distinto oficial da Marinha que conheci em casa de um grande tomarense, de um grande português amargurado, o general Silva Cardoso, da Força Aérea. Foi preciso ser bruta e assumo que fui. Tinha de ser. Por isso entendo e aprecio Fernando Costa. Teve toda a razão no que disse. Prova disso foi que, pouco depois, um barão tresnoitado propôs uma alteração de estatutos, segundo a qual serão punidos, incluindo com expulsão, os militantes que ousarem discordar e criticar dirigentes nos 60 dias que antecedem uma eleição. Daquele barão não se esperava melhor, mas a verdade é que os candidatos a presidentes do partido se calaram e 350 militantes, ali presentes, votaram a favor. Estes são os factos. A jeremiada dos candidatos depois do congresso encerrado, face ao berreiro indignado do país, vem tarde e mal. “Democracia” assim só no PC. Agora entendo as alianças parlamentares entre o PSD e os comunistas, apenas, e só, com fito de um golpe de estado que derrube Sócrates, aquele de quem mais se falou no congresso, em vez de se falar, como o país esperava, em soluções concretas para os problemas concretos que afligem os portugueses. Que confiança podem os eleitores ter nestes barões, nestes candidatos? Que alternativa pensam eles ser para este governo? Já pensaram aquilo que muitas pessoas pensam: se este é o partido do Presidente da República, se este é o partido que apoia o Presidente da República, será sensato colaborarmos neste disparate? Portugal precisa de um presidente independente ou dum partidário?

Para além de lamentável, este congresso foi mais uma traição à memória de Francisco Sá Carneiro.

quinta-feira, março 11, 2010

A hora do Portugal Profundo

CARTA DO CANADÁ

Fernanda Leitão

A avaliar apenas pelo que a TV e os jornais de circulação nacional debitam de forma caudalosa, repetitiva, massacrante, os portugueses alimentam-se de boatos e coscuvilhices, o país está parado e todos, de joelhos ou de cócoras, esperam do céu o maná da salvação sem esforço. Quase se sugere que seja encomendada a missa do sétimo dia por Portugal. Mas, se dermos de barato todo este chinfrim e  estivermos atentos ao bater do Portugal Profundo, podemos perceber que boa parte do país resiste à desgraça que lhe foi reservada pela mais absoluta canalhocracia partidocrática.

O Portugal Profundo perfila-se por trás das páginas da imprensa regional, a mal amada, a enteada, a mal tratada pelo grande pecado de ser autêntica e desinteressada. Aparece de corpo inteiro na multidão de jovens que dão o melhor da sua inteligência e saber na investigação científica, dentro e fora do país, nas empresas ditas de nicho que facturam milhões por ano, na prduçãoliterária e artística. Portugal Profundo é o murro na mesa da teimosia de empresários, quase crucificados pela agiotagen, que se recusam a deixar caír os braços. Ele está no olhar directo e nas palavras sem embuste dos que lavram a terra e levam os barcos ao mar, em troca de uma triste côdea para a família.  Portugal Profundo abre os braços aos que, consumidos por cidades que se transformaram em arenas de ódio e chicana, vão viver para a província e se tornam agricultores, pequenos artesãos, pequenos comerciantes, pequenos hospedeiros de turismo rural de grande qualidade.

Para todos estes, não há cantigas sindicais e políticas: sabem, de um saber secular que não se explica, que lhes incumbe salvar a barca em meio da tempestade.  Estão dispostos a todos os sacrifícios por Portugal.

E estes que lutam, silenciosamente, heroicamente, no Portugal Profundo, sabem que não há, nunca houve, políticos feitos na fábrica, por encomenda, perfeitinhos e sem mácula, e por isso saberão lidar, em benefício dos seus empreendimentos, com o lado menos mau desses ídolos com pés de barro. Hão-de fazê-lo por amor à Liberdade. Também sabem que não há, nunca houve, poder político, jurídico ou jornalístico totalmente independente e imparcial porque, pela experiência, sabem que só a morte não depende de nada e corta a direito sem olhar a títulos, riquezas ou favores.

Saberão lidar com isso por amor à Justiça e à Verdade.

Apesar de todos os pesares, não há  que desanimar  nem confundir: sigam os passos exemplares dos que resistem. Esta é a Hora do Portugal Profundo, a hora decisiva.