quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Ou vai ou racha

CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão

Há dias podia ler-se num editorial do New York Times, todo ele dedicado à situação na União Europeia:

"Porque é que os líderes da Europa se empenham em negar a realidade? A chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e o presidente Nicolas Sarcozy, da França, mostram-se incapazes de admitir que vão por caminho errado. Estão deslumbrados com a sedutora mas ilógica noção de que todos os países devem copiar o “modelo exportador” da Alemanha, sem décadas de investimento público e taxas artificialmente baixas, cruciais para o sucesso germânico? A Sra Merkel também parece determinada a inclinar-se perante os preconceitos dos eleitores alemães, os quais acreditam que o sofrimento é a única maneira de a Grécia, e os outros países da Europa do Sul, entrarem no bom caminho".

Que esses dois líderes pensem de forma tão redutora e pobre, não surpreende quem tem boa memória ou o salutar hábito de ler o que a História ensina. Há países onde as televisões se preocupam em não deixar apagar-se a memória do sofrimento que a Alemanha, por má liderança, e a França, por cobardia das elites, inflingiram a milhões de pessoas. O Canadá é um desses países. Devo acrescentar que a cada passo oiço canadianos dizer a propósito da situação na UE: “A Alemanha, outra vez!”. E anglo-saxónicos puros e duros desabafando: “A França é sempre a mesma doida”. Nestas expressões há receio, há desagrado, há um escondido grito de alarme. Dirão: é a mania da superioridade dos ingleses. Será, mas têm boas razões para isso: se não fossem eles, patriotas, a dar o primeiro grande passo da resistência, a Europa teria sido esmagada e abastardada por um punhado de facínoras.

O sonho da Comunidade Europeia foi, a partir das ruínas, bater-se pelos Direitos Humanos pelos quais várias gerações ansiaram e pelos quais lutaram. Foi um ideal de solidariedade, de partilha, de bem comum, de paz. Mas afastados que foram os fundadores, por morte ou idade avançada, a UE foi, pouco a pouco, caindo na mediocridade, no mercantilismo, na ausência de valores morais e espirituais. Abriu a porta larga a todos os oportunistas.

É um dado adquirido que austeridade sem desenvolvimento económico é um suicídio, como recentemente disse o primeiro ministro de Espanha. E austeridade cega, de cortar a eito, custe o que custar, é a destruição total de um país e de um povo. Então, se já há vários dirigentes europeus a dizê-lo, vai sendo tempo de, em conjunto, dizerem em Bruxelas o que deve ser dito, ao arrepio das ameaças de Merkel e Sarcozy ou das tiradas de Barroso que, coitado, segura pelas pontas o emprego bem pago.

Em Portugal, não conseguiremos sair do beco armadilhado em que nos meteram, como disse Krugman, o prémio Nobel da Economia, com estes dirigentes tão ignorantes da História e da Vida, tão destituídos de patriotismo que deitam a memória da Restauração para o lixo, tão desnorteados que pensam criar riqueza cortando um dia de folguedo ao povo, tão servis perante o estrangeiro que deram à troika uma importância que ela não tem e se rebolam de vaidade quando essa troika os elogia por excesso de zelo.

É hora de mudar. Ou os dirigentes actuais arrancam a pele e vestem outra, bem portuguesa, ou os portugueses de lei mudam de dirigentes. A Pátria vale bem essa ousadia.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Lá fora e cá dentro

CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão

 Ensina-me a experiência que é prudente não acreditar em pessoas que, para enriquecerem o curriculum, proclamam repetidamente que são “africanistas”. Na prática são colonialistas de mentalidade e actos. Ficou-lhes agarrada à pele, na sua passagem pelas colónias, uma atracção encantada pelo capataz de roça. Em geral, de tudo fazem (ou julgam fazer) uma roça.

O famoso vídeo que deu a volta ao mundo, aquele minuto de conversa sussurrada entre o Ministro das Finanças de Portugal e o seu homólogo da Alemanha, cuja linguagem corporal só por si dizia tudo de servilismo e diplomacia de cócoras, vem confirmar as suspeitas que se agigantam seis meses depois da entronização do actual governo que,dizia ele, vinha para salvar os portugueses das garras da maldade da exploração e da mentira. Escusa o cómico de serviço ao regime, seja o governo qual for, bolsar que é o contrário disto, nos programas que os contribuintes andam a pagar, porque ninguém lhe dá crédito, também a ele. De resto, a confirmação da bajulice vem do chefe do governo, e seus acólitos,quando trombeteia que “nós vamos além da troika”. É o que se chama querer mostrar serviço, “custe o que custar”, e está a custar fome, miséria, privação e desespero a largos milhares de portugueses, que vêem a Pátria a sucumbir às mãos de agiotas. Já pela Europa fora peritos sensatos sublinham que a receita autoritária da chanceleira Merkel não cura países aflitos, antes os mata, mas o primeiro ministro fabricado na jota mantém-se irredutível na sua fidelidade canina. Nem a opinião contrária do FMI o demove na sua obediência babada àquela Adolfa.

Tudo visto e revisto, fácil é concluir que este governo trata Portugal como se fosse a roça dos alemães. Cá dentro, é capataz. Lá fora, é mainato. E sofremos nós uma descolonização apressada, mal feita, até criminosa, para o país ter a subida honra de fazer parte da União Europeia. Quero crer que muitos europeistas eram idealistas e estavam de boa fé, mas foram ingénuos e descuidados no escrutinar regras e tratados linha por linha, palavra por palavra. Nem eles conheciam bem o terreno que pisavam, nem o deram a conhecer ao povo, já que não houve esclarecimento em profundidade e referendo logo de seguida. Um povo inteiro atrás de um punhado de enganados. Foi-se despejando dinheiro por cima do país, o crédito era fácil, os portugueses, como sempre,caíram na vigarice do vigésimo premiado. Porque, afinal, se chegou a este completo desconchavo: na União Europeia quem põe e dispõe é a Alemanha. O resto é cantiga para boi dormir.

Esta situação, já praticamente irreversível por estarmos a tratar com pessoas que devem tudo à ignorância arrogante, vai acabar mal. O que está a acontecer à Grécia, traída por uma clique medíocre de políticos, acaba por acontecer a todos os países que estão na fila para o cadafalso financeiro. Acreditar que não será assim, é como acreditar que o cancro só mata os outros. Não faz sentido gritar “nós não somos a Grécia”. Até ao momento, a única grande diferença é que os gregos batem o pé e os portugueses engolem em seco. O que faz sentido é aprender a lição sofrida pela Grécia e dizer à União Europeia que basta! É juntar-se aos países que já o dizem. A união dos descontentes pode bem salvar a Europa.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

Eu não sou Monárquico!

Na babilónia de ideias e de conceitos do actual debate “República versus Monarquia”, eu quero afirmar aqui, sem qualquer subterfúgio, que não sou Monárquico!

A Monarquia terminou em 1820 e não a quero de volta. E não quero também de volta a Monarquia que lhe sucedeu, a chamada “Monarquia Constitucional”, derrubada em 1910. Vivo bem, e creio que os meus concidadãos também vivem bem, sem a verídica Monarquia do século XVIII e sem a Monarquia com alcunha do século XIX.

Sou pela República! Sou republicano! Sou aliás visceral e radicalmente republicano!

A República ( Res publica ou Coisa pública) tem, entre nós, uma longa e nobre tradição, bem viva antes do século XVIII. É com essa Tradição que me identifico.

Eis o que nos diz Duarte Nunes de Leão na “Crónica del-Rei D. Fernando”: “em cortes que para isso ajuntou fez algumas leis muito úteis à república, e naqueles tempos muito necessárias.”

Na orientação que traçou para o seu reinado, escreveu o rei D. Sebastião numa das suas “Máximas”: “Gavar os homens, e cavaleiros que tiverem bons procedimentos, diante de gente, e os que tiverem préstimo para a República e mostrar aborrecimento às coisas a ela prejudiciais”.

Depois da Restauração de 1640, exarou o Doutor Vaz de Gouveia na “Justa Aclamação”: “o poder dos reis está originariamente nos povos e nas repúblicas, que delas o recebem por forma imediata.”

Não julgo ser necessário alongar aqui as citações comprovativas da República portuguesa ao longo dos séculos, mas cumpre lembrar que foi quando as Cortes deixaram de reunir, no século XVIII, que começou a haver cada vez mais Monarquia em Portugal.

Depois, a temática política do século XIX tratou de inventar o antagonismo, colocando, de um lado, os chamados “monárquicos” e, do outro, os chamados “republicanos”. Os primeiros diziam defender o Rei, os segundos defender a Res publica. Estava instalado um pernicioso divórcio. Em abono da verdade, os republicanos tinham motivo para classificar os seus adversários como monárquicos. Não eram outra coisa ou, melhor, eram apenas isso. Pouco lhes importava o bem da Res publica, da Coisa pública. Quando o republicanismo se tornou consciente e organizado, os seus adversários, se bem que adoptando a alcunha de constitucional, aceitaram de bom grado a qualificação de monárquicos. Diziam defender o Rei e era, com efeito, à sombra do poder do monarca, à sombra do suposto “poder de um só”, que eles usufruíam das benesses do poder do Estado. E foi só quando o Rei D. Carlos se opôs à rapina que a coisa deu para o torto. Por isso o mataram e, depois de derrubada a Instituição Real, só às atenções mais distraídas causou escândalo a adesivagem em massa que os ditos monárquicos fizeram à novel “República”. Tinha sido feita uma mudança de tabuleta na mesma droga e não foi difícil abrigarem-se nela. Estamos nisto vai para mais de um século.

Hoje, o que me separa de um “soi-disant” republicano, mas de um republicano que queira mesmo o bem da República, é fundamentalmente isto: ele quer para a República um presidente eleito; eu quero que a República remate pela chefatura dinástica de um Rei. Ele defende a Presidência da República; eu defendo a Instituição Real na chefia do Estado.

Eu não sou Monárquico; sou Realista!

José Manuel Quintas

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

A sabedoria do Povo

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão 

Um insulto de artrite num joelho,  obrigando  a imobilidade, saco de gelo e anti-inflamatórios,  não é pera doce mas tem a vantagem de vermos televisão sem remorsos de roubar esse tempo a tarefas ditas úteis, sobretudo se podemos  dispor de mais de cem canais em várias línguas, isto  é, se entre o lixo podemos escolher o que é bom. Se o leitor está a pensar que considero a televisão um artigo utilitário e nada mais do que isso, acertou.

Mastiguei, pedacinho a pedacinho, um longo documentário sobre o regresso dos gregos à agricultura. Barcos cheios, famílias inteiras deixando Atenas e outras cidades para regressarem aos abandonados campos das suas ilhas. Também eles foram vítimas de políticos de vistas curtas e vasto engodo pelos dinheiros da União Europeia, sem a cultura histórica que lhes daria a prudência de não  porem os seus países a jeito do lobo alemão. Soube-me bem ver a determinação e a coragem com que milhares de gregos pegam nos tractores e nas enxadas,  amanham hortas e pomares, deitam sementes à terra, fazem colmeias, instalam rebanhos  e, ao mesmo tempo, não esquecem o turismo a vir. Não acreditam nos governantes, mas acreditam em si mesmos, que é o mais importante. Se não pagarem a dívida, não se sentirão inferiores como pretende a Alemanha, essa que tem para com a Grécia uma dívida de centenas de milhões, a que foi condenada pelo que roubou e pelos danos causados à nação helénica  durante a II Guerra Mundial, e se permite o abuso de não pagar. Ao contrário da Itália, também condenada por causa das malfeitorias das tropas de Mussolini: pagou tudo aos gregos. Enfim, gostei de ver como os gregos levantam a cabeça, não amocham e estão ali para o que der e vier.  Povo antigo,  povo sábio.

Espero  que estes documentários passem nas televisões portuguesas para nos sentirmos menos sós. Porque também nós havemos de chegar ao momento de levantar a cabeça e não amochar diante dos criados de quarto dos figurões estrangeiros que enchem os bolsos com o nosso empobrecimento. Em Portugal, como em todos os países, há élites.  Que podem ser positivas ou negativas. Por agora, estamos na negativa. Mas a história ensina-nos que,ao contrário das élites negativas, o povo português nunca traíu a Pátria. E há sempre uma élite positiva que se lhe junta na 23ª hora.  Somos um  povo velho e sábio.

Calhei de encontrar um programa português, o Reencontro, filmado em Angola, de que foi pivot Fátima Campos Ferreira. Creio que chamam àquilo “diplomacia económica”, mas a mim pareceu-me diplomacia de cócoras no exclusivo interesse de certos governantes que se consideram africanistas porque em garotos passaram meia dúzia de anos nas antigas colónias. São a martelo como o whiskey de Sacavém. Coisa feia. Mudei logo de canal. Gostava de ter ali a meu lado, naquele momento, patrícios meus, negros e mulatos, velhos amigos, para nos rirmos destes que, talvez para serem dignos herdeiros de papá, são todos da kuribeka.  Precisam de muleta. E havíamos de sorrir recordando velhas histórias das moças do colégio de Sá da Bandeira, naquele tempo dirigido pela Madre Paiva Couceiro, filha do inesquecível capitão das guerras de África e das incursões monárquicas. Contavam elas que, quando sabia que alguma loja maçónica estava a ser construída ou instalada, a Madre ia na noite escura mais as moças pôr medalhas bentas na obra.

E diziam, contentes, que aquelas kuribekas davam em nada.